Na tentativa de romper as barreiras que separam a academia do mercado, iniciativa realizada na USP em São Carlos propõe que estudantes construam projetos para solucionar problemas da indústria, principalmente nas áreas de saúde, educação e agronegócio
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Estudantes que desenvolveram solução para gerenciamento de filas em consultórios, com professores e empresários (crédito: Reinaldo Mizutani) |
Quantas vezes você já ficou na sala de um consultório médico aguardando para ser atendido? Tornar essa cena comum uma experiência cada vez menos frequente é o desafio que move um grupo de estudantes do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos. Eles devolveram uma solução tecnológica simples e eficiente para o gerenciamento de filas em clínicas médicas.
“O paciente agenda a consulta pelo site, onde é gerado um QR Code. Ao chegar à clínica, ele consegue fazer o check in pessoalmente ou por meio desse QR Code. Assim, o sistema consegue gerenciar a fila de espera para atendimento em tempo real e fornecer uma previsão do horário de atendimento de cada paciente”, explica o estudante Matheus Compri, que cursa Ciências de Computação no ICMC.
O projeto é apenas um entre os 15 que foram desenvolvidos como trabalho final para a disciplina Tópicos Avançados em Comunicação, ministrada pelo professor Edson Moreira. Resultado de muito trabalho em equipe, Compri e seus quatro colegas – Paulo Moreno, Rodrigo Pereira, Thaís Santos e Vinicius Lovato – receberam nota 10, assim como outros sete projetos que propunham soluções para problemas encontrados no mercado.
Para que os alunos pudessem construir seus protótipos atendendo às necessidades do mercado, o professor utilizou uma parceria que o Departamento de Sistemas de Computação do ICMC tem há algum tempo com a Siena Ideia, uma empresa que, entre outras atividades, realiza prospecção de demandas de tecnologia da informação para indústrias da região de São Carlos. “A interação com a Siena na disciplina começou em 2013, mas se consoilidou em 2014, quando seguimos uma metodologia específica para desenvolver os projetos como se faz em uma fábrica de software”, relata Moreira.
Do projeto ao protótipo – O primeiro passo foi dado ainda no final do primeiro semestre de 2014, quando os alunos cursavam a disciplina Redes de Computadores e tiveram uma palestra com o CEO da Siena Idea, Pedro Siena. Foi quando Siena relatou que as indústrias de São Carlos destacam-se nas áreas de saúde, agronegócio e educação.
A seguir, os alunos formaram equipes com o objetivo de criar soluções tecnológicas para suprir demandas em uma dessas três áreas. Para acompanhar os 15 grupos no desenvolvimento de seus projetos, Moreira contou com a colaboração de mais dois professores do ICMC: Paulo Masiero, que procurou ajudar em assuntos relacionados à especificação e desenvolvimento de software, e José Carlos Maldonado, que contribuiu para que os desenvolvimentos seguissem padrões de software livre. O trio escolheu empregar uma plataforma de gerenciamento para os projetos chamada Redmine, muito utilizada na indústria. Assim, foi estabelecido um calendário de tarefas que possibilitou avaliar o progresso dos trabalhos realizados por cada um dos 15 grupos. Nas datas estabelecidas para o fechamento de cada tarefa, as equipes recebiam os feedbacks dos professores e da Siena Idea e podiam aprimorar seus projetos.
O desafio de construir esses projetos possibilitou aos estudantes entenderem na prática como conceitos como mobilidade, segurança e privacidade são aplicados em projetos de aplicações para a Internet. Além disso, eles aprenderam a mostrar o potencial que suas ideias têm de se transformar num produto rentável. Para avaliar o potencial de negócio de suas ideias, eles utilizaram o Business Plan Canvas, uma ferramenta padrão na indústria. “É uma ferramenta que descreve o produto de uma maneira visual, suscinta, mostrando quais são seus objetivos, seu público-alvo, seus custos, seus parceiros potenciais, seus canais de divulgação etc.”, explica Moreira. Os alunos foram estimulados a continuar o aperfeiçoamento dos protótipos, a fazerem os devidos registros e, tanto a Siena quanto os professores estão empenhados em dar o apoio necessário para que os alunos se tornem empreendedores.
O gerente de inovação da Siena, Renato Carmona acompanhou as atividades desde o início. “Foi uma grata surpresa acompanhar todo o trabalho realizado pelos alunos. Eles se superaram e tivemos como resultado projetos bastante interessantes”, conta Carmona. Na avaliação da Siena Idea, a equipe que apresentou o melhor resultado final foi a que desenvolveu a solução para o gerenciamento de filas em clínicas médicas. Os estudantes ganharam um tablet como prêmio.
No campo agronegócio, um dos projetos que chamou a atenção do público foi o Colha Já, em que os estudantes Gabriela Duque, Pedro Anchieta e Rafel Minami criaram uma plataforma para facilitar a aproximação entre pequenos produtores e empresas. Por exemplo: um produtor está precisando alugar máquinas para realizar a colheita em sua propriedade rural. Ele informa sua demanda a possíveis fornecedores por meio de um aplicativo – marcando a área em um mapa. Por sua vez, os fornecedores podem, por meio do aplicativo, avaliam aquela e outras áreas que demandam o mesmo tipo de serviço na região, o que pode levar a preços mais acessíveis para o produtor e à otimizando dos recursos das empresas fornecedoras.
Já na área da educação, um dos destaques foi o QuizVest, um videogame baseado em perguntas e respostas de questões de vestibular. À medida que o estudante responde às questões, vai ganhando pontos e pode competir com os amigos. O projeto foi criado pelos estudantes Anaya Ferreira, Helena Aravechia, Mateus Riva e Thiago Lima.
Conectando universidade e mercado – “Todos os trabalhos apresentados se enquadram perfeitamente no mundo real. Se estivéssemos fora do Brasil, com certeza, haveria uma fila de empresários ávidos por conhecer esses projetos”, opina o diretor da Vector Tecnologia, Airton Moreno. Ele esteve presente durante a feira realizada no dia 19 de novembro, no sagão da Biblioteca Achille Bassi, no ICMC, para apresentar os resultados dos trabalhos realizados pelos alunos.
Para ele, um dos entraves que dificultam a aproximação entre academia e mercado é a visão imediatista dos empresários. “Infelizmente, o empresário brasileiro não quer saber da universidade. Ele procura um produto pronto, quer ganhar dinheiro no dia seguinte e, normalmente, os projetos desenvolvidos nas universidades estão em um nível mais conceitual, precisam de um tempo de maturação e desenvolvimento para se tornarem comercialmente viáveis”, afirma Moreno. Ele é pai de um dos estudantes que desenvolveu a solução para as clínicas médicas e está analisando, junto com o grupo, uma forma de colocar o projeto à disposição do mercado.
“Queremos ter mais proximidade com a universidade, que prepara muito bem os alunos tecnicamente, mas eles têm dificuldade de desenvolver um produto com apelo para o mercado”, diz Carmona. Na visão dele, muitas vezes o mercado busca tirar das universidades os talentos, agindo de forma nociva. Por outro lado, falta abertura, na área acadêmica, para essa aproximação com o mercado. “A forma como a universidade é estruturada dificulta essa aproximação. Nos requisitos de avaliação acadêmica não há qualquer preocupação com a relevância de um projeto para o mercado, por exemplo”, explica.
Na opinião do professor Edson Moreira, uma das formas de facilitar essa relação é a universidade passar a estabelecer metas ligadas à geração de novos negócios e produtos. “Um dos caminhos é institucionalizar iniciativas como a que realizamos nessa disciplina. Assim, em vez do aluno desenvolver um projeto desses ao longo de um semestre, ele poderia fazer o trabalho ao longo, por exemplo, de três disciplinas diferentes, agregando mais conhecimentos e tendo um melhor retorno pela energia empregada no projeto. Imagino que uma boa métrica de sucesso dos cursos de graduação poderia ser o número de alunos, por turma, que se tornam empreendedores”, finaliza Moreira.
Texto: Denise Casatti – Assessoria de Comunicação ICMC
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