terça-feira, 29 de outubro de 2013

Talentos do ICMC: no motorista, vive a memória do trem

As 58 locomotivas e os 200 vagões que Luiz Matas – motorista do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos – têm em casa contam um pouco da história do País e o fazem voltar ao tempo em que embarcava no trem junto com o pai

Matas comprou seu primeiro trem elétrico aos 22 anos
Era 1974 e, aos 22 anos, ele ingressou no serviço público estadual como motorista na Secretaria de Negócios da Educação. Naquele tempo, um funcionário público demorava cerca de três meses para receber o primeiro salário. Bem, quando ele viu aquele dinheiro todo nas mãos, não teve dúvidas: foi direto à loja comprar seu primeiro trem elétrico, um Atma. Começava ali a coleção de trens do motorista do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, Luiz Matas.

Hoje, são 58 locomotivas e 200 vagões que sintetizam, em miniatura, a paixão desse motorista pelo trem. Uma paixão que começou quando o pai o levava para acompanhar seu trabalho de jornaleiro: todos os dias, às 12h40, em São Carlos, ele retirava os jornais que estavam no trem que vinha de São Paulo e os colocava nos vagões que partiam rumo a Ibitinga. Lá, desembarcava todos os jornais e montava sua banca.

A proximidade com os trilhos marcou a vida da família, que sempre morou perto da linha férrea, na Vila Prado, em São Carlos. Matas lembra-se, ainda, de quando estudava no Senai, onde se formou mecânico, e ouvia o apito da locomotiva a vapor, sempre às 9 horas. “Eu também adorava ir até a Livraria Íris, que ficava em frente à Igreja São Benedito, para ver o trenzinho elétrico montado. Naquela época, só quem era filho de rico podia ter um trem daqueles”, contou.

Associação trabalha na recuperação da Maria Fumaça 821
O nascimento de uma associação - De 1974, quando Matas comprou o primeiro trem, a 2006, ele só montou a pequena máquina umas duas vezes. A paixão permaneceu adormecida até ele passar a se reunir, por acaso, com um grupo de outros apaixonados por trem, na antiga Estação Ferroviária de São Carlos. “Eu saia para caminhar e acabava parando na Estação, onde outras pessoas que gostavam de trem costumavam ir”, explicou.

O grupo formado por cinco homens decidiu, então, reunir-se para montar uma maquete. O chefe da América Latina Logística cedeu uma sala para a turma se reunir na Estação. Em 2008, eles formaram a Associação São-Carlense de Ferreomodelismo, que conta hoje com mais de 30 associados. Nos dias 20 e 21 de junho de 2013, a Associação realizou o sexto Encontro de Ferromodelismo, que aconteceu na Estação onde toda a história começou. Cerca de sete mil pessoas estiveram no local para admirar as 16 maquetes expostas.

É também na Estação que está a Maria Fumaça 821, sobre a qual os membros da Associação se debruçam nos finais de semana. Voluntariamente, eles oferecem a mão de obra necessária para a recuperação dessa velha senhora, enquanto a prefeitura fornece o material. O objetivo é finalizar o trabalho no começo de novembro.

“A maioria das cidades do interior do Estado de São Paulo e do Brasil nasceu por causa dos desvios ferroviários ou do café, no começo do século XIX”, ensinou Matas. Para ele, é impossível separar o amor pelo trem do amor pela história.



Aventuras para lá das miniaturas - A primeira vez que Matas encarou uma aventura pelos trilhos reais do Brasil, já adulto, foi em 2010, viajando na classe econômica: “Eu e mais três amigos saímos daqui e fomos a Campinas. De lá, pegamos um voo para Belo Horizonte. Dormimos e, no outro dia, pegamos um trem de passageiro para Vitória. Foram 680 quilômetros e mais de 12 horas de viagem. Chegamos lá às 21 horas, pretinhos por causa do pó do minério de ferro”.

A aventura não acabou por ali. Um ano depois, os amigos repetiram a viagem. Mas, dessa vez, escolheram a classe executiva e curtiram os trilhos com direito a ar condicionado, conforto e nada de sujeira.

No final da conversa, só resta perguntar a Matas se vale a pena investir tanto nessas miniaturas. Sem hesitar, ele responde convicto: “Já fizemos eventos em Bebedouro, Ribeirão, Araraquara, Rio Claro, Bauru e Porto Ferreira. Vixe! O que eu conheci de gente, passeei, as amizades que fiz, as entrevistas que dei...” O trem enche de vida o motorista, que mantém viva a memória do trem.

Como se tornar um ferreomodelista - Um hobby voltado a reproduzir em escala as ferrovias, trens e tudo o que pode ser encontrado ao longo de uma linha férrea, como pontes, estruturas, riachos, montanhas, sinais, entre outros detalhes. O ferreomodelismo inclui também a reprodução da movimentação ferroviária, como a formação de composições, manobras, engates e desengates e outras operações ferroviárias, na busca por obter o maior realismo possível.

Em 1935, foi lançado por um fabricante alemão o "TRIX", primeiro trem de mesa em escala OO (1/76), muito parecido com a escala HO (1/87), que é a mais praticada no Brasil e no mundo. “O kit básico para quem deseja começar esse hobby é composto por uma locomotiva, três vagões, um oval de trilho e o controlador de velocidade. O custo médio desse kit é R$ 300,00”, revela Matas. Quem quiser aprender mais pode ir à Estação Ferroviária aos sábados e domingos à tarde, período em que os membros da Associação se reúnem para dar dicas aos futuros ferreomodelistas.

Matas recomenda aos iniciantes que, antes de começar uma coleção, vejam se de fato gostam da ideia e têm tempo para se dedicar ao hobby. Também é preciso ter paciência e gostar de trabalhos manuais para reproduzir artesanalmente todos os detalhes que compõem uma maquete.

Texto e fotos: Denise Casatti - Assessoria de Comunicação ICMC/USP