terça-feira, 31 de maio de 2016

Aproximando os cientistas da sociedade: sucesso de público marca Pint of Science na capital da tecnologia

Foram três noites de muita diversão e ciência para as cerca de 800 pessoas que participaram da segunda edição do evento em São Carlos

Para Edvaldo, o jornalismo literário transforma a ciência em uma grande história,
quebrando o mito e o distanciamento que tem da sociedade

Como aproximar a ciência da sociedade? "A estratégia é fazer com que a história do outro, nesse caso a história do cientista, se relacione também com a história de cada um de nós, criando conexões", explica o professor aposentado Edvaldo Pereira Lima, da Escola de Comunicações e Artes da USP, em um boteco chamado Vila Brasil, na rua XV de Novembro, em São Carlos. O público ali presente discute as possibilidades que temos à disposição para que o conhecimento científico seja comunicado de uma forma mais atraente e saborosa. Curiosamente, o bate-papo acontece durante a última noite do festival Pint of Science, que foi criado exatamente para aproximar os cientistas da sociedade. Este ano, a iniciativa mobilizou cerca de 800 pessoas em São Carlos.

A poucos metros dali, no restaurante Mosaico, o público escuta a sinfonia do universo escrita por Albert Einstein. “A Teoria da Relatividade Geral é um trabalho exclusivamente de Einstein e talvez tenha sido a maior produção que uma única mente fez em toda a história da humanidade”, diz o professor Adilson Oliveira, vice-reitor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). A partir da compreensão da melodia criada pelo físico em 1916, o público é convidado a surfar nas ondas gravitacionais. 

“Repense os limites do que é possível”, diz a professora Solange Rezende, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC), em outro canto da cidade, no Beatniks Road Bar. Aqui, a conversa é sobre os impactos da inteligência artificial e, para Solange, há um jeito simples de sentir sua presença em nosso dia a dia: basta pensar nos dispositivos criados para simular a capacidade humana. “O que era impossível poucos anos atrás, agora a inteligência artificial faz ser possível”, completa a professora. Ela cita um exemplo rotineiro: as sugestões personalizadas de compras que aparecem na tela do computador quando acessamos um site.

Mostrar essa ciência, nem sempre visível, presente no cotidiano das pessoas é também papel do festival Pint of Science, que nasceu na Inglaterra em 2013 com a ideia de levar os cientistas para falar diretamente com o público em ambientes descontraídos como bares e restaurantes. No ano passado, São Carlos fez jus ao seu título de capital da tecnologia: tornou-se a primeira cidade da América Latina a sediar o evento. Realizado pelo ICMC, o festival deu tão certo que se espalhou para mais seis cidades brasileiras este ano. 

Para Solange, podemos sentir os impactos da inteligência artificial no nosso cotidiano

Comunicar é preciso – “Se não existir comunicação científica, não existe ciência”. A frase de impacto do jornalista Fabricio Mazocco, que é assessor de comunicação na UFSCar, anunciou o início do bate-papo no Vila Brasil na noite do último dia 25 de maio. Ele explicou que, para ser considerado conhecimento científico, é preciso que um trabalho seja avaliado por outros cientistas e, para isso, precisa ser publicado. Nesse caso, trata-se de uma comunicação realizada para um público especializado. Por outro lado, há a comunicação que é realizada na sala de aula, nos museus e também pela mídia e pelas redes sociais, que é destinada, na maior parte das vezes, para um público que não tem qualquer conhecimento anterior sobre aquele assunto. “O grande desafio, nesse tipo de comunicação, é a linguagem a ser empregada: como transformar a ciência em um conteúdo compreensível, interessante e atraente para o público em geral?”, perguntou Fabricio.

Para o professor Edvaldo, o jornalismo literário usa instrumentos-chaves provenientes do campo da literatura, que podem contribuir para aprimorar a comunicação da ciência. "O jornalismo literário transforma a ciência em uma grande história, quebrando o mito e o distanciamento que a ciência tem da sociedade", afirmou. Segundo ele, é papel do jornalista ter a habilidade de contar uma boa história e fazer fluir a conexão com o leitor.

Em seguida, o jornalista Diego Freire falou sobre sua experiência como repórter da Agência Fapesp e os desafios que enfrenta alguém que exerce o papel de mediador entre os cientistas e a sociedade. Para ele, aos poucos, os obstáculos existentes na relação entre jornalistas e cientistas têm sido superados. Já o jornalista Reinaldo José Lopes, colunista da Folha de S. Paulo, ressaltou que existe, por parte das redações jornalísticas, a cultura de que as pessoas não se interessam por ciência. Porém, de acordo com ele, essa tese é contrariada ao analisar a significativa repercussão de conteúdos publicados na internet, em especial em canais como o YouTube. "O jornalista não pode ficar preso a um jornalismo clássico, que deixa o assunto apático, é preciso acrescentar novas ferramentas interativas para sair do óbvio e do tradicional", finalizou Lopes.

Ir além é preciso – Ir além do óbvio e do tradicional foi o que fez Albert Einstein em 1916 ao prever as ondas gravitacionais. “Passaram-se 100 anos para que desenvolvêssemos a tecnologia necessária para detectar as ondas gravitacionais. Isso mostra que, muitas vezes, a ciência é capaz de olhar para coisas que estão muito além da nossa capacidade tecnológica de verificação”, ressaltou Adilson.

Odylio, Cássio, Adilson e Daniel conduziram o bate-papo sobre ondas gravitacionais

Durante o bate-papo no Mosaico, o professor Daniel Vanzella, do Instituto de Física de São Carlos, explicou o que são as ondas gravitacionais e quais podem ser suas principais fontes. “O mais importante serão as descobertas que vão ser feitas a partir dessas ondas”, acrescentou Odylio Aguiar, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. “Elas trazem a assinatura de como era o universo em seus momentos iniciais. Essa assinatura pode nos mostrar que talvez tudo tenha começado mesmo com uma grande explosão, mas talvez tenha existido algo antes, um universo cíclico, por exemplo, que vive inflando e desinflando”, completou Cássio Barbosa, pós-doutor em astronomia e autor da coluna Observatório do portal G1.

Novas perspectivas para a compreensão do nosso mundo também foram trazidas pelo bate-papo sobre inteligência artificial, que mobilizou o público no Beatniks Road Bar. O professor Fernando Osório, do ICMC, destacou a relevância das ferramentas de inteligência artificial nos veículos autônomos. “Esses avanços científicos podem representar catástrofes no emprego ou inovação tecnológica sem precedentes?”, questionou o professor. Segundo ele, de fato, o desenvolvimento da área de inteligência artificial pode levar à diminuição ou à extinção de alguns empregos, muitos dos quais podem ser considerados perigosos ou não ideais para os seres humanos, comprometendo sua saúde e qualidade de vida. “Mas a possível geração de desemprego seria culpa mesmo da inteligência artificial ou dos seres humanos, que não estão pensando em alternativas de realocação desse pessoal?”, voltou a indagar o professor.

Dois sócios de startups são-carlenses que empregam recursos da área de inteligência artificial em suas empresas também participaram do evento: Marco Pereira, da Itera, e Thiago Christof, da Calamar Technology Brasil. Segundo Thiago, estamos vivenciando um novo momento na história da humanidade, em que as máquinas se tornam extensão das mentes dos seres humanos. Ele falou sobre a ampliação do uso de robôs nos serviços de atendimento ao consumidor, por exemplo, por meio do desenvolvimento de programas de computador que tentam simular um ser humano na conversação com as pessoas (chatbot). Será uma catástrofe ou o início de uma era de prosperidade sem precedentes? A ciência e o tempo nos dirão.

Em São Carlos, o Pint of Science conta com o apoio do Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI), da UFSCar e do IFSC. Em âmbito nacional, há ainda o patrocínio da Elsevier.



Texto: Denise Casatti – Assessoria de Comunicação ICMC/USP
Com a colaboração de Suzana Xavier e Keite Marques

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