Confira a resposta na voz de três mulheres, três professoras do ICMC que foram convidadas a refletir sobre a participação feminina na matemática
São muitas as iniciativas que buscam discutir e incentivar a participação das mulheres na matemática. Há diversos grupos em redes sociais, além de programas e workshops desenvolvidos em universidades de várias partes do mundo, sem contar os inúmeros artigos publicados sobre o tema. Neste Dia Internacional da Mulher, 8 de março, a USP lança a campanha Elas Sempre Podem, que busca empoderar as mulheres e defender a igualdade de gênero.
Em sintonia com a campanha, o Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, apresenta três entrevistas realizadas com professoras do Instituto. Convidadas a refletir sobre a participação feminina na matemática, elas apresentam a visão que têm sobre o assunto e lançam luzes para pensarmos também a respeito da participação da mulher no campo das ciências exatas.
Uma das entrevistadas, a professora Maria Aparecida Ruas, participará, na próxima sexta-feira, 11 de março, do Encontro Paulista de Mulheres na Matemática, evento que será sediado no Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (IMECC) da UNICAMP. Veja, a seguir, a questão de gênero na matemática sob a perspectiva de Maria Aparecida, Sueli Aki e Thaís Jordão.
A primeira mulher na chefia do Departamento de Matemática do ICMC
Eu acho que vale a pena olhar para essa questão, pois a presença das mulheres na matemática ainda é pequena e seria interessante pensarmos de que maneira poderíamos aumentar a inserção feminina na área.
Qual o principal motivo do menor número de mulheres dentro da matemática? É uma questão biológica, social, cultural, histórica ou uma combinação de todas as anteriores?
Sem dúvida é uma combinação de vários fatores. Apenas não acredito que seja uma questão biológica e que os homens sejam mais inteligentes do que as mulheres. No entanto, a maneira como homens e mulheres abordam as questões científicas pode ser um pouco diferente e isso é bom porque as diferenças complementam e enriquecem a solução dos problemas.
Durante sua carreira, houve algum tratamento diferenciado por ser mulher?
Na minha carreira essencialmente não sofri preconceito por ser mulher. Diferentemente das outras profissões, acredito que a universidade seja um dos lugares com menos dificuldades para que a mulher tenha uma carreira plena, com menores chances de sofrer preconceitos ou outras dificuldades. No meio acadêmico, a promoção na carreira é por mérito. Se uma mulher se destaca e tem um currículo melhor, a questão de gênero não deve influenciar. Em alguns momentos, podemos enfrentar obstáculos pelo fato das mulheres serem em geral mais sensíveis, agregadoras e evitarem discussões, mas acho que são questões naturais de convívio.
Em relação ao mercado, como você enxerga a inserção feminina na área da matemática?
Poderia haver uma porcentagem maior de mulheres no mercado se houvesse mais inscritas em concursos. Esse baixo número está diretamente ligado às poucas mulheres nos cursos de graduação e pós-graduação na área de ciências exatas. Já em relação à contratação de mulheres como professoras universitárias, como eu disse, não acredito que haja problemas, pois, em geral, sempre o melhor é escolhido.
Você acredita que esse desequilíbrio entre homens e mulheres dentro da matemática gera algum prejuízo?
Seria bom que houvesse mais mulheres. Muitas possuem aptidão em matemática e acabam não seguindo na área por diferentes motivos. Em qualquer segmento da sociedade, seja na política, na ciência ou em empresas, se há equilíbrio de gênero, isso reflete melhor o que acontece na sociedade. Além disso, o equilíbrio traria uma maior diversidade de pensamentos.
Qual seria uma possível solução para esse cenário?
Além de programas de conscientização, acredito que seja necessário ter mais estímulo. Desde cedo, nas escolas e nas famílias, precisamos mostrar que a matemática pode ser um caminho. Assim, poderemos ter mais presença feminina na área.
Sua trajetória profissional a influenciou nas repostas anteriores?
Alguma influência sempre tem porque, em geral, a gente reflete as informações e as vivências pelas quais passamos.
Por que você escolheu matemática e qual a maior recompensa de ser professora?
Na verdade, eu nunca tive muitas dúvidas sobre o que queria. A matemática sempre foi uma das minhas principais motivações para a vida. Eu sempre quis ser professora, gosto de ensinar e já dava aula particular de matemática desde os meus 12 anos para alunos do ensino fundamental. A interação com os estudantes é de que mais gosto, sejam eles da graduação, pós-graduação ou até mesmo aqueles que já se formaram e ainda entram em contato. Aprendo com eles todo dia.
Uma das mais antigas professoras de matemática do ICMC
Ela está no Instituto desde 19 de março de 1987 e continua em plena atividade. Confira o bate-papo com a professora Sueli Aki.
O que você pensa sobre a questão das mulheres na matemática?
Eu não sei se o menor número de mulheres é uma questão de gênero. Algo que sempre me perguntei é sobre a quantidade no meio acadêmico, principalmente no campo das ciências exatas. Hoje, existem muito mais mulheres na área, mas na época em que eu entrei no Instituto eram poucas.
Qual o principal motivo do menor número de mulheres dentro da matemática? É uma questão biológica, social, cultural, histórica ou uma combinação de todas as anteriores?
A carreira acadêmica é muito exigente. Para você chegar à academia, você tem que passar por mestrado, doutorado, pós-doutorado e conciliar tudo isso com a vida pessoal, família, filhos. Por isso, acredito que seja mais uma questão social. A dedicação que é exigida na vida acadêmica faz com que muitas mulheres tomem outros caminhos.
Durante sua carreira, você teve algum tratamento diferenciado por ser mulher?
Não. Eu nunca senti preconceito nenhum.
Eu não vejo problemas em relação a isso. Acredito que nos concursos, por exemplo, não é levada em consideração a questão do gênero e sim o trabalho profissional. Há muito tempo as mulheres estão conseguindo seu espaço.
Você acredita que esse desequilíbrio entre homens e mulheres dentro da matemática gera algum prejuízo?
Acredito que a diversidade acrescenta, mas ter a mesma quantidade de homens e mulheres através de um decreto não resolveria.
Eu acho que a sociedade naturalmente está conduzindo isso, ela está mudando e os homens também estão evoluindo. Precisamos que a sociedade dê amparo aos pais no cuidado com os filhos através de creches, segurança, saúde, garantindo a eles segurança e autonomia.
Por que você escolheu matemática?
Eu fui atraída pela educação. Morava em Dracena, cidade pequena no interior paulista com 40 mil habitantes e as profissões que eu conhecia na época eram as tradicionais: engenheiro, advogado, médico, professor e assim foi fácil decidir unir educação e matemática. Então, me formei na UFSCar e, como tinha facilidade com matemática, me estimularam a seguir carreira acadêmica.
Hoje, depois de quase 30 anos de carreira, sente-se realizada com a profissão?
Eu me sinto muito realizada com o que me propus. O que mais gosto é da relação que estabeleço com os jovens. Parece que nós, professores, nunca envelhecemos porque conseguimos absorver essa energia dos jovens. Puro engano!
A mais caçula: ela chegou ao Instituto em 2014
Uma das características marcantes da mais recente professora contratada pelo ICMC é a irreverência. Confira o bate-papo com Thaís Jordão, que chegou ao ICMC no dia 31 de março de 2014.
O que você pensa sobre a questão das mulheres na matemática?
Eu acho um assunto extremamente delicado. Analisando alguns dados aqui do Instituto, nós vimos que a quantidade de mulheres decresceu, comparando-se o cenário de 2005/2010 com o atual. Isso parece ir totalmente contra os movimentos feministas que estão surgindo. Foi uma surpresa para mim. Eu esperava que esse cenário estivesse melhorando, mas não foi o que a gente viu. Esse fenômeno aqui no ICMC não é isolado.
Eu imagino que seja uma combinação de todas, mas ainda não existe uma resposta fechada. Esse é um dos motivos pelo qual surgiu o grupo de mulheres da USP Rede Não Cala, para pensarmos nesses pontos e tratar da violência de gênero.
Durante sua carreira, houve algum tratamento diferenciado por ser mulher?
Aconteceu com uma conhecida minha quando estava prestando concurso e fizeram a seguinte pergunta para ela: “Se você for aprovada, seu marido irá aceitar que você mude de cidade?”. Eu achei algo extremamente invasivo. Já no meu doutorado eu sentia muita diferença entre os colegas da turma. Na classe havia três mulheres e nove homens e era nítido que nós éramos sempre deixadas de lado. Por exemplo, quando a turma se reunia para discutir exercícios e vinha alguém de fora para fazer uma pergunta, raramente a questão era direcionada para as garotas. Parecia que éramos incapazes de responder. No começo, isso me incomodava. Porém, depois que eu percebi que tinha potencial, não ligava mais.
Em relação ao mercado, como você enxerga a inserção feminina na área da matemática?
Acredito que elas ainda não têm muitas oportunidades. É claro que se há um número menor de mulheres na Universidade, é natural que elas apareçam menos no mercado. Mas o cenário ainda é extremamente precário.
Você acredita que esse desequilíbrio entre homens e mulheres dentro da matemática gera algum prejuízo?
Sim. Uma vez que exista uma separação entre o que é de responsabilidade dos homens e o que deve ser realizado pelas mulheres, elas podem ficar sobrecarregadas. Por exemplo, se as atividades domésticas ficarem sempre a cargo das mulheres, elas poderão não dar conta de se dedicar à área acadêmica tanto quanto os homens.
Isso é o que discutimos nas várias redes de movimentos feministas. Eu acho que ainda não tem uma solução pronta para isso. Acredito que conscientizar e motivar as mulheres, mostrando que elas também são capazes, é o melhor caminho.
Sua trajetória profissional a influenciou nas repostas anteriores?
Provavelmente influenciou porque a minha criação, assim como a da maioria das mulheres, também foi machista.
Eu sempre quis fazer ensino superior, mas eu não sabia o que escolher. Como eu tinha facilidade com matemática, resolvi fazer o curso. Foi só durante a graduação que descobri que realmente gostava da área e comecei a ficar fascinada com a ideia de trabalhar com pensamentos abstratos. Hoje, não me arrependo da escolha. Quando eu vi que poderia ensinar que a matemática não é só uma coisa mecânica e que é possível enxergar o que há por trás dela, decidi que queria ser professora. O mais fascinante é quando você vê os olhos dos alunos brilharem depois de você lançar uma ideia e eles conseguirem entender que há algo muito maior por trás do que está na lousa.
Texto: Henrique Fontes – Assessoria de Comunicação ICMC/USP
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Texto: Henrique Fontes – Assessoria de Comunicação ICMC/USP
Fotos: Henrique Fontes (imagens de Maria Aparecida e Sueli) e Reinaldo Mizutani (imagem de Thaís)
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