Grupo de pesquisadores brasileiros, alemães, austríacos e espanhóis está desenvolvendo uma solução inovadora empregando dispositivos móveis, técnicas de aprendizado de máquina e processamento de imagens para auxiliar centrais de controle em empresas e eventos
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Comitê de Fomento Industrial de Camaçari é um dos parceiros do projeto |
O que há em comum entre um estádio de futebol lotado com mais de 60 mil pessoas e um polo industrial com empresas químicas e petroquímicas? Para um consórcio com mais de 40 pesquisadores brasileiros, alemães, austríacos e espanhóis, esses dois universos, aparentemente tão díspares, unem-se quando o assunto é risco: caso ocorra um desastre em um desses lugares, os danos são de proporções equivalentes.
Criar um sistema que possibilite uma ação rápida e eficiente no gerenciamento de crises em grandes eventos esportivos ou polos industriais – evitando mortes, danos materiais e ao meio ambiente – é o desafio científico e tecnológico que move esses pesquisadores. Eles estão desenvolvendo uma plataforma computacional inteligente chamada RESCUER, capaz de aliar informações provenientes da multidão via dispositivos móveis, como tablets e smartphones, com dados obtidos da defesa civil e bombeiros, a fim de construir um mapa da situação e possibilitar a tomada de decisões. A pesquisa também inclui a elaboração de estratégias para instruir a população que está em risco e direcionar corretamente as forças de resgate e combate.
“Em cada etapa do desenvolvimento dessa plataforma, há desafios diferentes”, explica a coordenadora do projeto na Europa, Karina Villela, do Instituto Fraunhofer de Engenharia de Software Experimental (IESE), da Alemanha. Segundo ela, as informações provenientes da multidão (crowdsourcing) podem ser captadas, em tempo real, por meio dos sensores disponíveis nos smartphones ou por meio de um aplicativo, que está sendo desenvolvido especialmente para ser usado em situações de emergência.
Na época em que aconteceu a Copa do Mundo de Futebol no Brasil, o protótipo do aplicativo foi testado com estudantes do campus da USP em São Carlos, com participantes do FIFA Fan Fest em Salvador e com torcedores que assistiam a um jogo da Alemanha no estádio Fritz-Walter, em Kaiserslautern. “O resultado da avaliação desse protótipo é valioso para que possamos aprimorar o aplicativo”, conta a professora Elisa Yumi Nakagawa, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, uma das nove instituições parceiras do projeto.
Nessa fase inicial de desenvolvimento, o aplicativo possibilita ao usuário selecionar uma das quatro opções disponíveis (fogo, explosão, pânico de massa ou outro) e alertar a respeito. Automaticamente, um mapa é exibido indicando a localização. Nesse mesmo mapa, o usuário pode usar uma seta para especificar o local exato onde está acontecendo a emergência. Depois, é hora de informar a gravidade da situação clicando em ícones. Por exemplo, no caso de um incêndio, pode ser escolhido um extintor (para uma situação menos grave), uma mangueira (situação um pouco mais grave) ou um carro de bombeiros (situação grave). A seguir, solicita-se ao usuário que informe se há pessoas feridas e descreva o fogo (informando a cor e a direção da fumaça). Por último, há a opção de enviar uma foto ou vídeo.
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Exemplo de uma das telas do aplicativo |
Uma multidão de informações – Mas o que acontecerá se 60 mil pessoas usarem esse aplicativo ao mesmo tempo? “Não é possível que um ser humano consiga analisar todas as informações enviadas pela multidão, olhando cada imagem e vídeo. Nosso papel é fazer isso de forma semiautomática, para que possamos extrair o que é mais relevante dessa imensidão de dados”, explica o professor José Rodrigues Junior, do ICMC.
Para isso, o grupo de pesquisadores do Instituto que participa do projeto RESCUER está mesclando conhecimentos de diferentes áreas da Ciência da Computação: processamento de imagens, aprendizado de máquina e banco de dados. “Um dos problemas que enfrentaremos é a variação da qualidade do material enviado. Na multidão, teremos pessoas correndo, sendo empurradas, em lugares muito escuros ou muito claros, e até mesmo com o celular de cabeça para baixo enquanto filma”, conta o professor.
“A tecnologia disponível para a análise de imagens estáticas já existe, mas quando se fala em vídeos, o desafio é maior”, acrescenta Karina Villela. Segundo Rodrigues Junior, outro obstáculo a ser enfrentado é o tempo de resposta, pois é preciso avaliar uma grande quantidade de dados o mais rápido possível. “Ainda não existe uma tecnologia de aprendizado de máquina suficientemente capaz de avaliar as informações com 100% de precisão. A melhor máquina para fazer isso ainda é o ser humano. No entanto, o computador é capaz de selecionar as melhores informações a serem apresentadas e também de aprender com o ser humano, nesse caso, com os especialistas da central de comando”, diz Rodrigues Junior.
Por isso, entre as soluções de análise de dados propostas pela equipe está a atuação da central de comando, que receberá as informações extraídas da multidão: “Na central de comando, é um ser humano que irá olhar as informações encaminhadas pelo computador e decidir o que fazer com elas”. Assim, se a central começar a receber informações repetidas ou vídeos e imagens com qualidade muito baixa, basta registrar isso para que o sistema de análise automática dos dados seja aprimorado. “É assim que o computador aprende com o ser humano”, ensina Rodrigues Junior.
O kit de ferramentas que o RESCUER pretende fornecer à central de comando engloba ainda uma tela com um mapa apresentando de forma simples e em tempo real a situação de emergência. Estudos na área de visualização de informações estão sendo realizados para verificar qual a melhor maneira de mostrar as ocorrências nessa tela.
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Aplicativo já passou por testes |
Da computação à psicologia – A complexidade do RESCUER está também na vastidão de áreas de conhecimento que devem ser abarcadas para que a plataforma alcance o sucesso almejado. Em um workshop realizado em Linz, na Áustria, com as forças de resgate e combate do polo que reúne as indústrias químicas da cidade, os pesquisadores tentaram compreender melhor como é a reação das vítimas no momento de uma emergência.
“Como as pessoas vão interagir com seus dispositivos móveis em um contexto de estresse? Estamos estudando o comportamento humano para entender quanto a capacidade cognitiva das pessoas pode ser afetada e aprimorar o aplicativo”, conta Villela. A ideia é criar algo que possibilite, primeiramente, uma comunicação bastante rápida: “Estou em perigo!”. Depois, quando a pessoa estiver com um nível de estresse menor, poderá enviar uma foto e dar mais detalhes sobre o que está acontecendo.
Sintonia – Além de atuar em prol desse fluxo de informações que nasce da multidão e é direcionado para o centro de comando, o projeto também vai reger as interações que serão estabelecidas entre esse centro e seus vários públicos. Como em uma grande orquestra, o desempenho dos músicos depende de uma boa regência. O maestro aqui é o centro de comando que envia instruções precisas para os grupos de pessoas que estão em risco.
Também é fundamental comandar adequadamente as forças de resgate e combate: como fazer para que cada instituição mantenha sua independência e trabalhe de forma conjunta? Um dos caminhos apontados pelo RESCUER é fornecer a todos os envolvidos no resgate e combate uma visualização conjunta dos planos de ação propostos. Assim, cada um tem a liberdade de desenvolver seu plano, mas, ao visualizar a atuação do outro, poderá repensar sua estratégia.
Villela explica que, quando acontece um acidente em um polo industrial, há uma série de documentos a serem preenchidos pela empresa e enviados para comunicar oficialmente a ocorrência aos órgãos internos e externos (demais empresas, autoridades públicas e imprensa, por exemplo). Abre-se aqui outra frente de trabalho no RESCUER: a intenção é automatizar essa comunicação que a empresa precisa fazer, de forma individualizada, com esses diferentes públicos, empregando técnicas e recursos da área de gerência de variação.
Diante de tantos desafios multidisciplinares, a previsão é de que o projeto seja finalizado no primeiro semestre de 2016. Financiada pela União Europeia e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a iniciativa conta com mais sete instituições parceiras além do IESE e do ICMC: a Universidade Federal da Bahia (coordenadora do projeto do lado brasileiro); a Universidade Politécnica de Madri; o Comitê de Fomento Industrial de Camaçari; as empresas MTM Tecnologia, Vomatec e FireServ; e o Centro de Pesquisa Alemão em Inteligência Artificial (DFKI).
Texto: Denise Casatti – Assessoria de Comunicação do ICMC/USP
Infográfico: Thiago Zanetti e Yasmim Reis - Assessoria de Comunicação do ICMC/USP
Fotos: Divulgação
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