Estudante de Ciências da Computação volta ao país do sol nascente para estudar na Universidade de Osaka, depois de vivenciar um dos piores terremotos da história do Japão
Inoue aponta Osaka no mapa, onde permanecerá até fevereiro do próximo ano |
Aeroporto de Narita, 11 de março de 2011, 14h46. O aluno Gustavo Shinji Inoue, que está cursando o segundo ano do curso de Ciências da Computação no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP São Carlos, está pronto para embarcar de volta ao Brasil após viver uma experiência de três meses de trabalho em uma fábrica de alimentos no Japão. Enquanto filma os últimos momentos da viagem em seu celular, tudo começa a tremer e as pessoas correm para evacuar o aeroporto: um terremoto de magnitude de 8,9 na escala Richter atinge o país.
Naquele momento, Inoue e o grupo de estudantes que o acompanhava não imaginavam que demorariam mais três dias para pegar o voo rumo ao Brasil. Tempo em que permaneceram presos no aeroporto, já que as estradas estavam interditadas e não era possível entrar nem sair do local. “O primeiro dia foi o mais complicado porque não havia estoque de comida e, à noite, todos os restaurantes ficaram fechados. Mas, apesar de tudo, o aeroporto estava muito bem preparado, tinha saco de dormir e água potável para todo mundo”, contou Inoue.
Apesar da certeza de que as marcas do terremoto jamais serão apagadas de sua memória, ao chegar ao Brasil, o estudante só pensava em volta ao Japão. “O país me encantou muito. Eu vou levar para a minha vida a experiência do terremoto, mas não foi nada traumatizante”.
Em busca de oportunidades para retornar ao país do sol nascente, ele tentou se inscrever no programa Ciência sem Fronteiras sem obter sucesso. O histórico dele na universidade não era dos melhores. Mesmo assim, Inoue não desistiu. Descobriu, no início de 2013, que havia a possibilidade de se inscrever em um edital unificado da Vice-Reitoria Executiva de Relações Internacionais (Vreri) para intercâmbios no exterior. Não perdeu tempo: começou a conversar com os professores do ICMC, a pesquisar as universidades japonesas para as quais poderia se candidatar e reuniu os documentos necessários.
No entanto, ele se desesperou quando o prazo para inscrição no edital de intercâmbio da Universidade de Osaka encerrou. O resultado do processo de seleção no Brasil ainda não tinha saído e o sonho de voltar ao Japão aparentemente precisaria ser adiado por mais um ano. “Quando fui aprovado aqui no Brasil, fiquei feliz e nervoso. Achei que os japoneses, por serem muito rígidos, não me deixariam participar. Mas a USP enviou uma carta explicando que o resultado tinha atrasado e, no final, deu tudo certo”.
Estudante registrou em vídeo o corre-corre no aeroporto de Narita no momento do terremoto |
De malas prontas
Inoue retorna ao Japão no dia 18 de setembro e permanecerá no país até fevereiro de 2014. Ele vai arcar com os custos da passagem, estadia e alimentação. A USP tem um convênio com a Universidade de Osaka e, por isso, o aluno não precisará arcar com qualquer despesa nesse sentido. Inoue planeja obter um estágio ou uma bolsa em Osaka para ajudar a cobrir os custos. O investimento vale a pena? Na opinião dele, vale muito.
Primeiro porque ele terá a oportunidade de aprimorar tanto o inglês quanto o japonês. Segundo porque, no Brasil, ele não incrementou o currículo por meio de projetos extracurriculares como iniciação científica ou monitoria e a experiência no Japão poderá ajudar muito nesse aspecto. E terceiro pois, em Osaka, Inoue terá a oportunidade de conhecer novas áreas de pesquisas em Ciências da Computação. Ele espera, então, descobrir um caminho que o encante tanto quanto a terra de onde vieram seus avós – com exceção apenas da avô materna, que nasceu no Brasil.
Desde pequeno, a mãe de Inoue, que mora em São Paulo, tentou propiciar ao garoto o máximo de contato com sua cultura de origem. Sempre que possível, a culinária japonesa é que dava o tom no cardápio da casa e a presença da família era obrigatória nos festivais promovidos pela Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social e pela Federação das Associações de Províncias do Japão no Brasil. Resultado: desde cerca de 9 anos, Inoue estuda japonês e, hoje, é professor de conversação na Associação Cultural e Esportiva Nipo-brasileira de São Carlos e monitora as demais turmas. Ele faz parte, ainda, de dois grupos da instituição, o de origami e o de Yosakoi Soran. “Trata-se de uma dança típica que festeja a colheita e a pesca por meio da união de dois gêneros de dança tradicionais do Japão – o Yosakoi e Soran Bushi”, explica o estudante.
Embora a ligação com a cultura japonesa seja intensa, o estudante se surpreendeu com o que encontrou do outro lado do planeta. “A colônia japonesa do Brasil vive um Japão diferente. A gente mantém tradições, costumes e receitas da época de antes da Segunda Guerra Mundial, quando os japoneses vieram ao Brasil, há 105 anos”.
Uma das grandes descobertas do estudante na terra do sol nascente foi a culinária. Acostumado com o tempero brasileiro, o paladar de Inoue se encantou com a mistura de sabores característica do país. Ele só não achava que o trabalho seria tão pesado. “Cheguei lá preparado para ficar 10 horas em pé, o problema é me escolheram para atuar em uma linha cuidando do forno em que se colocava a massa dos waffles fabricados pela empresa. Era um calor de aproximadamente 180 graus na minha frente durante 8 a 10 horas todos os dias. Tínhamos máscaras, roupas apropriadas, mas não dava para evitar o contato das minhas mãos com o calor, pois elas colocavam a massa no forno”.
Ao concluir seu relato sobre a jornada que empreendeu desde a linha de produção típica das fábricas japonesas até o estudo em uma universidade de primeira linha como a de Osaka, o estudante disse: “O edital da USP me ofereceu uma oportunidade que eu não teria de outra forma”. E finalizou: “Eu ainda não acredito que consegui esse intercâmbio”.
Texto e foto: Denise Casatti - Assessoria de Comunicação ICMC