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quarta-feira, 24 de julho de 2019

ICMC oferece curso para idosos criarem histórias em vídeo com celulares ou tablets

Iniciativa gratuita é voltada a quem tem 60 anos ou mais e já possui experiência com dispositivos móveis

Inscrições podem ser realizadas via internet até a próxima segunda-feira, 29 de julho


Se você tem mais de 60 anos e gostaria de criar seus próprios vídeos e histórias digitais pode participar de um curso gratuito, com quatro horas de duração, que será oferecido pelo Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos. A atividade acontecerá em cinco diferentes datas: em 31 de julho e nos dias 1, 2, 5 e 6 de agosto, sempre das 8 às 12 horas. Há 15 vagas disponíveis em cada uma das cinco turmas. 

Voltado a idosos que já possuem experiência com celulares ou tablets, o curso Práticas de Criação de Vídeo e Histórias Digitais com Celulares e Tablets tem como objetivo possibilitar que os participantes criem vídeos para contar histórias de seu dia-a-dia, como os passeios que realizam ou as visitas que recebem. Durante o curso, os idosos também aprenderão a publicar os vídeos de modo privado na internet e a compartilhar suas produções com familiares e amigos. 

Para participar, é necessário ter pelo menos 60 anos, trazer seu próprio smartphone ou tablet, habilitado para navegar na Internet e com sistema operacional Android (versão 4.4 ou superior), além de ter experiência na utilização do seu próprio aparelho. As inscrições estão abertas até dia 29 de julho ou enquanto houver vagas no Sistema Apolo da USP: icmc.usp.br/e/625e6. Caso as vagas de uma das turmas não sejam totalmente preenchidas, os alunos serão realocados para as turmas em que existam vagas remanescentes e serão informados antecipadamente. Se houver qualquer dúvida, basta ligar para o telefone (16) 3373.9146.

Coordenado pela professora Maria da Graça Pimentel, do ICMC, o curso é gratuito e o único pré-requisitos para participar é: saber ler e ter 60 anos ou mais. Solicita-se também que os participantes tragam, na primeira aula, doações de kits de higiene para os asilos da cidade, que podem ser compostos por pelo menos dois dos seguintes itens: aparelho de barbear descartável, desodorante (aerosol ou spray), shampoo, condicionador e hidratante corporal.

Assistente digital - Para facilitar as atividades de ensino e aprendizado, os pesquisadores do ICMC desenvolveram um aplicativo especialmente para que os idosos criem, de forma descomplicada, suas histórias adicionando as próprias fotos, trechos de áudio, textos e até mesmo vídeos curtos. O aplicativo é um assistente digital que disponibiliza roteiros para a criação das narrativas. O próprio aplicativo realiza a tarefa de gerar o vídeo, publicá-lo no YouTube (de forma privada) e enviar o link correspondente para o aluno. 

Por meio das atividades do curso, os pesquisadores poderão identificar as necessidades dos idosos e, a partir daí, propor técnicas e alternativas para novas ferramentas que serão construídas futuramente. Para atender às demandas dos idosos de forma personalizada, diversos estudantes de graduação e pós-graduação do ICMC atuarão como monitores, contribuindo para que o processo de ensino e aprendizagem seja facilitado. 

Texto: Assessoria de Comunicação do ICMC/USP 

Mais informações
Área de comunicação e eventos do ICMC: (16) 3373.9146 
E-mail: ccex@icmc.usp.br

quarta-feira, 19 de junho de 2019

OBR 2019: a história de um pai

A partir do projeto O mundo das invenções, Carlos treinou a equipe  de garagem que participou da Olimpíada Brasileira de Robótica e conquistou uma vaga na etapa estadual da competição

Sou o Carlos Renato, pai do José Renato e incentivador dos garotos da equipe O mundo das Invenções. Gostaria primeiramente de agradecer pela recepção, atenção e dedicação que todos vocês, organizadores da etapa regional da Olimpíada Brasileira de Robótica (OBR), tiveram com todos nós, pais e crianças. A experiência de ter participado de um evento como a OBR só me fez refletir sobre o valor e o fortalecimento que um evento como esse proporciona a toda sociedade, em especial às futuras gerações. 

Os garotos ficaram muito encantados com tudo o que vocês fizeram para com eles. A empolgação e brilho nos olhos estão contagiando todos. Estão muito felizes e esperançosos, ainda mais porque conseguiram passar para a etapa estadual. Nós, pais, estamos muito orgulhosos da capacidade e empenho deles. 

Gostaria também de apresentar um pouquinho da história da equipe O mundo das invenções. Diferente de muitas outras equipes, nós somos uma equipe de garagem, limitados em um espaço com área de pouco mais de 10 m², que nos dias de sol é quente pra chuchu e nos dias de chuva temos que desviar das goteiras. Mas nada disso impede que, todos os sábados, a gente se reúna para desenvolver alguma coisa que seja útil e divertido. Já fizemos muito, mais ainda falta um infinito para explorarmos e aprender cada vez mais. E isso é o que buscamos, o conhecimento. 

Nesse projeto além de aprender, se divertir, brincar e inventar, também buscamos valores um pouco esquecidos nessa sociedade, como a busca de novas amizades, companheirismo, reconhecimento no trabalho de outras pessoas, respeito, disciplina e o mais importante, ser pessoas felizes. 

Carlos Renato da Silva

OBR 2019: a história de um professor

Junior com os alunos da Oca dos Curumins: participar da Olimpíada Brasileira de Robótica reacendeu o sonho do professor de um dia estudar na USP ou na UFSCar

Esse não é mais um texto só para agradecer pelo empenho na organização dessa linda e gigantesca competição. Meu nome é Emidio Junior Manzini, sempre amei tecnologia, trabalho na área desde os 17 anos, tenho 39 hoje, só consegui meu diploma da graduação (curso noturno) em 2010.

Atualmente sou programador e atuo como professor de informática já há 20 anos. Essa foi minha terceira participação na OBR aqui em São Carlos, na primeira participação em 2017 minhas equipes não ficaram nem entre as 30 primeiras colocadas, em 2018 não ficamos entre as 20.

Trabalho para duas escolas particulares que me dão toda a condição de ter resultados melhores dos que havia conseguido até então. Isso me fez, pela primeira nesses anos de profissão, repensar se tecnicamente eu estava à altura desse desafio, estaria eu, aquém do que os meus alunos precisavam? Acredito que não exista coisa pior do que isso para qualquer profissional que sempre procurou fazer o melhor.

Após o segundo fracasso, mesmo desanimado, conversei com os alunos e decidimos: “Vamos estudar mais, vamos construir nossa pista e vamos nos classificar para a estadual de 2019”.

Também inscrevi alunos das duas escolas no curso preparatório da USP, enquanto eu estudava mais a fundo a programação EV3-G.

O trabalho foi árduo, cansativo e estressante em alguns momentos, já que tinha que conciliar meu outro emprego, o tempo com a minha filha (que tanto me cobrou nas intermináveis aulas-extra que fiz com os alunos no último mês) com essa responsabilidade que assumi com as crianças e com as respectivas escolas.

Nesse ano, classificamos duas das três equipes de nível I que inscrevi e minha equipe do colégio Oca dos Curumins foi campeã no domingo!

Quando a Professora Roseli discursava antes do anuncio das equipes melhores colocadas eu já estava muito feliz, porque sabia que dessa vez tínhamos feito um bom trabalho, a medalha seria um bônus.

Ela disse que o aprendizado que os alunos adquiriram durante esse tempo seria algo que os alunos levariam para o resto da vida, e é a mais pura verdade, mas não só para eles porque para mim também foi sensacional, a ponto de reacender, aos quase 40 anos, meu sonho de um dia estudar na USP ou na UFSCar, quem sabe fazendo uma especialização ou mestrado profissional...

A OBR foi um combustível para minha vida, espero que essa pequena história seja exemplo para vocês de como o trabalho que fazem é importante.

Muito obrigado!
Emidio Jr

terça-feira, 14 de maio de 2019

Professor da USP cria diário para mostrar como é o dia a dia em uma universidade pública

Ele dá aulas de computação, orienta alunos e desenvolve pesquisas em processamento de imagens, coordena um projeto na área de divulgação científica, canta no Coral da USP, em São Carlos, e decidiu relatar tudo isso em textos e imagens

O diário de um professor da universidade pública brasileira: Moacir Ponti publicou o primeiro texto dia 6 de maio

A balbúrdia tomava conta da web com imagens e textos sendo compartilhados à exaustão: supostamente, todos retratavam o que acontece dentro das universidades públicas brasileiras. Foi então que o professor Moacir Ponti, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, decidiu agir: na segunda-feira, dia 6 de maio, ele começou a escrever O diário de um professor da universidade pública brasileira. Mais de três mil pessoas já acessaram o conteúdo disponibilizado por Moacir na plataforma Medium, em que relatou, durante cinco dias consecutivos, os detalhes de sua rotina. 

“Essa é uma série de posts para desmistificar o dia a dia da universidade pública. Vou registrar minha semana e postar um dia por vez aqui, um tipo de Big Brother. Se você só ouviu falar sobre como é uma universidade pública, aqui vai ter uma boa amostra da realidade. Já fui professor da Universidade Federal de Viçosa também, no Campus de Rio Paranaíba-MG, e posso dizer que a rotina é parecida, guardando as devidas particularidades de cada cidade, região e universidade”. É assim que Moacir anuncia o início de sua empreitada, ressaltando que se trata de uma iniciativa individual e que as opiniões descritas não refletem, necessariamente, as da instituição para a qual trabalha. 

Ao relato, o professor agrega diversas imagens das aulas que ministra, das reuniões com os alunos que orienta e de todos os demais projetos de que participa. Há momentos em que a narrativa traz alento ao leitor, como quando ele conta a primeira ação da segunda-feira: “A primeira atividade é uma reunião na Fundação de Apoio Institucional ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FAI-UFSCar) para discutir parcerias para o Pint of Science 2019, um evento de divulgação e popularização da ciência. A reunião foi um sucesso, e saio de lá com boas perspectivas. É fundamental divulgar a ciência para que todos saibam como a pesquisa científica nos impacta diretamente, estimulando a economia, tornando-nos mais produtivos e fortalecendo o país.” 

Este ano, Moacir é responsável pela coordenação do festival Pint of Science em São Carlos, que acontece nas noites de 20, 21 e 22 de maio. Afinal de contas, as funções de um professor universitário vão além de ensinar e pesquisar, também é preciso promover ações de cultura e extensão universitária: “Não fosse pela arte, cultura e música, não sei se conseguiria manter minha própria sanidade. São esses os principais refúgios para a mente e daí a importância de valorizar ações nessa direção, dentro e fora da universidade”. 

No fim de quarta-feira, 8 de maio, Moacir participa de uma reunião do Clube do Livro, ação promovida pelo Programa de Educação Tutorial (PET-Computação) do ICMC. Pautada pelo romance “A casa dos espíritos”, de Isabel Allende, trama que se passa no contexto do golpe militar chileno, a discussão termina com o grupo apreciando doces em forminhas brancas, vermelhas e azuis, tal como as cores da bandeira do Chile. Encerrando o relato desse dia, o professor desabafa e compartilha sua dor: “Há dias felizes, mas hoje é definitivamente triste. Com tanto potencial na universidade para educar, criar, desenvolver e inovar, constatar que essa não é uma prioridade dos nossos representantes traz desânimo e acaba por deixar amargo esse fim de quarta-feira (apesar dos doces). E esse amargor não parece que vai embora tão cedo. Apesar disso, amanhã há de ser outro dia — estão vindo várias músicas desse tipo na minha cabeça hoje, vai saber o porquê — e terá mais aula, mais trabalho e mais universidade pública resistindo”. 

O livro de Isabel Allende repousa ao lado dos doces em forminhas coloridas


Na sala de aula – Em diversos momentos do diário, Moacir conta o que acontece dentro da sala de aula e confessa o quanto gosta de ministrar disciplinas para alunos do primeiro ano do curso de Ciências de Computação. “Hoje pela manhã fiz os calouros sofrerem um pouco com os detalhes do gerenciamento dinâmico de memória e diferentes representações da informação no computador”, assim começa a narrativa de quinta-feira, 9 de maio. 

Na sequência, o professor explica um relevante conceito da área de computação: “Algumas pessoas já sabem que tudo no computador é, na verdade, armazenado, processado e transmitido em binário. Sim, tudo é codificado usando apenas 0 ou 1, o que chamamos de bit. Essa é a menor parcela de informação — 0 e 1 pode significar, respectivamente “desligado” e “ligado”, “aberto” e “fechado”, “ausente” e “presente”, etc. (tente imaginar algo que retenha menos informação que isso). Quando encadeados em sequência, escrevemos coisas mais complexas. Por exemplo, vamos combinar um código simples de 4 bits, em que: 0001 — significa a letra “A”; 0010 — significa a letra “B”; 0011 — significa a letra “C”; 0101 — significa a letra “E”. Assim, 0010 0101 0011 0001, codifica a palavra 'BECA'. Nos computadores, a codificação padrão para caracteres tem 8 bits. Chamamos 8 bits de 1 byte — e essa palavra você já deve ter ouvido falar.” 

Na lousa, o exemplo do tipo de conhecimento que se dissemina em uma sala de aula de uma universidade pública

O trecho acima é um exemplo do tipo de conhecimento que se dissemina em uma sala de aula de uma universidade pública. Moacir continua o relato completando: “Na aula de hoje usamos a representação ASCII para montar “sequências de letras”. Assim, dá para programar coisas como esse post, que nada mais é do que uma lista em que cada linha é uma sequência de letras e pontuação, formando um texto. Só que, para que a lista tenha textos com tamanhos diferentes (cada parágrafo, por exemplo, é formado por uma quantidade diferente de letras), tem que conhecer bem como funciona a memória e como gerenciá-la. Isso para que os aplicativos de seu celular ou os programas do se computador funcionem certinho, sem ficarem lentos, sem travarem, sem fecharem sozinhos. E isso tudo para permitir codificar texto — sem formatação, imagens e outras coisas que ainda serão abordadas em outras aulas ou matérias do curso.” 

Pelo conteúdo abordado nesse exemplo, já é possível perceber que uma parcela do tempo de um professor de uma universidade pública deve ser dedicada à preparação das aulas: “As aulas que eu estou ministrando esse semestre já estão na sua quarta ou quinta edição. Ainda assim, eu gasto cerca de duas a três horas de preparação por hora de aula dada. Quando é uma disciplina completamente nova, eu chego a gastar de cinco a seis horas de preparação por cada hora em sala de aula.” 

Moacir na reunião com seus orientandos de iniciação científica, mestrado e doutorado

No grupo de pesquisa – Nas tardes de quarta-feira, acontecem as reuniões com os estudantes que são orientados por Moacir para desenvolver pesquisas de iniciação científica, mestrado e doutorado. A cada semana, um desses estudantes fica responsável por apresentar, durante cerca de 20 minutos, um seminário aos demais, abordando um novo assunto ou falando sobre algum artigo ou conceito científico que poderá interessar aos demais. Depois, todos compartilham o andamento de seus projetos para que um possa contribuir com o trabalho do outro. Afinal de contas, hoje em dia não se faz ciência sozinho, não é mesmo Moacir? 

“A ciência de hoje usa o mecanismo chamado revisão por pares. Não basta para um cientista obter conclusões sozinho, é preciso passar pela avaliação de outros pesquisadores (pares), de outras universidades e mesmo outros países.” Note que, para que um estudo científico tenha validade, é preciso divulgá-lo em publicações especializadas naquela área de conhecimento – são os chamados artigos científicos ou papers. É então que entra em cena a revisão por pares: os artigos que Moacir e seus orientandos escrevem são avaliados por outros pesquisadores antes de serem publicados, assim como Moacir avalia os artigos de outros pesquisadores. “Idealmente esse processo é anônimo (chamamos de revisão “cega”), diminuindo seu viés”, explica o professor. Por isso, em vários trechos do diário, surgem notícias sobre a revisão, a publicação, a submissão, a aprovação ou a reprovação de artigos, pois isso faz parte da rotina da vida de qualquer pesquisador. 

Entre os diversos projetos que são citados nos posts do professor, há desde trabalhos que analisam imagens de plantações – uma tecnologia que tem potencial para ajudar a diminuir o volume de agrotóxicos e herbicidas no campo –, até a recuperação de imagens relacionando conteúdos visuais distintos, algo que pode ser relevante em aplicações médicas, facilitando, por exemplo, a localização de exames de pacientes que apresentem características similares. A área de pesquisa em que Moacir atua pode, ainda, trazer relevantes contribuições para alertar sobre o risco de queda em idosos, fornecendo subsídios para que sejam efetuadas intervenções preventivas, e até mesmo auxiliar na adoção de melhores políticas públicas por meio da identificação do nível de fragilidade de idosos que são atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). 

Na imagem, podemos ver os sinais captados por um acelerômetro: aparelho mensurou a marcha de idosos

Exemplos de espectrogramas gerados a partir dos sinais de aceleração: nesse caso, o sinal captado pelo acelerômetro se transforma em uma imagem, o que pode facilitar a análise dos dados obtidos e contribuir para alertar sobre o risco de queda em idosos

No fim do diário, Moacir diz que seguirá, enquanto puder, “recebendo alunos para orientar e tirar dúvidas, preparando e ministrando aulas, pensando em novas ideias e as colocando em prática, levando o conhecimento para fora da universidade, nessa lida sem fim do professor e pesquisador”. Na opinião dele, sempre haverá “um problema para ser resolvido, e alguma coisa nova para pesquisar, sempre existirão pessoas querendo aprender, e a humanidade sempre precisará de avanços: nas exatas, humanas, biológicas e outras, porque não se constrói conhecimento isolado, os maiores impactos vêm dos estudos envolvendo todas as áreas”. Antes do ponto final, o professor conclui: “a universidade pública vai continuar necessária e relevante para uma sociedade com menos desigualdade, mais educada e preparada para os desafios de hoje e do futuro”. 

Leia o diário completo desse professor universitário: https://medium.com/@m.a.ponti

Cartaz mostra a programação do Pint of Science em São Carlos: na cidade, o evento é coordenado pelo professor Moacir Ponti

Texto: Denise Casatti – Assessoria de Comunicação do ICMC/USP 

Mais informações
Assessoria de Comunicação do ICMC: (16) 3373.9666 

sexta-feira, 8 de março de 2019

Dia Internacional da Mulher: elas celebram as exatas com todas as suas singularidades

As mulheres ainda são uma minoria nas ciências exatas, mas têm se unido para romper a invisibilidade e inspirar futuras cientistas





São muitos os substantivos femininos contidos nas ciências exatas: tem a matemática, a computação e a estatística, por exemplo. Mas a diversidade abarcada nas palavras e pesquisas realizadas na área ainda não se faz presente quando o assunto é a quantidade de mulheres que atuam nesse mundo exato, ainda tão predominantemente masculino. 

Na matemática, por exemplo, em todo o mundo, elas são aproximadamente 30% dos estudantes no início de carreira, mas, aos poucos, vão ficando pelo caminho: ocupam apenas cerca de 10% dos cargos de liderança nesse campo profissional. No Brasil, menos de 45% dos ingressantes em cursos de graduação em matemática são mulheres. Conforme subimos os degraus da carreira científica, o percentual vai diminuindo e se reduz a 15% quando a análise leva em conta os bolsistas de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). 

O que faz essa trajetória tomar a forma de um funil e a equação não fechar? Se é fato que elas não se interessam por ciências exatas por que, em menos de 24 horas, esgotaram-se as 200 vagas de uma escola de verão destinada a meninas que desejam desenvolver aplicativos? Oferecida pelo Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, a escola atraiu garotas de 10 a 18 anos vindas de todo o Estado de São Paulo: há pais que estão encarando o desafio de, durante cinco sábados, percorrer quatro horas de viagem de ida e de volta apenas para possibilitar que suas filhas participem do evento. Meninas que não conseguiram uma das disputadas vagas enviavam mensagens pedindo para que fossem incluídas na iniciativa e lotaram as caixas de e-mail do Grupo de Alunas de Ciências Exatas (GRACE) do ICMC, que coordena o evento. 

A demanda urge por ser atendida: sim, as mulheres são de exatas, assim como são de humanas e de biológicas. Mas não é preciso ser versado em matemática para imaginar o que ocorre no meio do caminho que era para ser exato: tem muitas pedras, como diria Carlos Drummond de Andrade. Alivia saber que tem também poesia na jornada, pois as histórias singulares das mulheres que desbravaram esse terreno mostram que é possível superar os inúmeros percalços. São histórias para inspirar as meninas de hoje a se tornarem as pesquisadoras do amanhã em matemática, computação, estatística ou em qualquer outra área do conhecimento que elas quiserem. 

Carolina Araújo foi uma das quatro matemáticas brasileiras convidadas para ministrar uma palestra no Congresso Internacional de Matemáticos, realizado em agosto de 2018 no Rio de Janeiro
(crédito da imagem: Marcos Arcoverde/ICM 2018)

Percepção singular – “Eu não entendia, muitas vezes, o porquê das discussões sobre gênero que aconteciam especialmente nos Estados Unidos, onde havia esses debates sobre as mulheres na ciência. Até que eu comecei a estudar, a olhar os dados, a ler sobre o assunto, a ver as estatísticas e a perceber que havia algo errado”, diz a matemática Carolina Araújo. Até este ano, ela era a única mulher a fazer parte do time de cerca de 50 pesquisadores do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), no Rio de Janeiro, que está efetuando a contratação de mais uma mulher. 

Mas foi só nos últimos cinco anos que Carolina começou a compreender a relevância da percepção feminina: “Todas nós somos singulares e temos que aceitar a nossa singularidade porque é daí que vai vir a inovação, a criatividade”. O ponto crucial na mudança de percepção de Carolina está localizado no princípio da linha do tempo de 2015, quando ela recebeu o convite para fazer parte do Comitê para Mulheres em Matemática da União Internacional Matemática. 

Nesse tempo, a pesquisadora já estava engajada no comitê organizador do Congresso Internacional de Matemáticos (ICM), que aconteceu pela primeira vez no Brasil de 1 a 9 de agosto de 2018. Por isso, o Comitê convidou Carolina para estabelecer um elo com os responsáveis pelo ICM. “Foi então que comecei a estudar e a desenvolver outra percepção sobre a questão de gênero. Passei a conversar com outras mulheres e fui ganhando consciência, em um processo que se desenvolveu junto com a organização do Encontro Mundial para Mulheres em Matemática (WM)2.” 

Realizado dia 31 de julho, um dia antes do início do ICM, o Encontro reuniu 350 mulheres de mais de 60 países. Na quinta-feira, 9 de agosto, minutos depois da cerimônia de encerramento do ICM, Carolina estava exausta, mas irradiava felicidade enquanto contava sua história sentada em uma das muitas mesas das lanchonetes instaladas no Riocentro para atender aos 3.018 congressistas de 114 países que conviveram nesse espaço nos dias do Congresso. 

Resume em uma frase a descoberta que mais a surpreendeu ao longo da construção de sua nova perspectiva de gênero na matemática: “As mulheres não percebem o quão forte elas são”. Carolina conta que, quando há uma oferta de emprego com as qualificações necessárias explícitas, se uma mulher não souber fazer metade do que está listado, normalmente não se candidata à vaga. Por outro lado, se um homem nota que pode fazer metade do que é solicitado, é natural que decida se candidatar. “Mesmo tendo consciência, às vezes caio na armadilha e me pego tomando esse tipo de atitude: dizendo que não vou conseguir, que não vou tentar. Por isso, tenho incentivado muito minhas colegas e alunas a se candidatarem a bolsas e prêmios. É algo em que posso atuar e consigo transformar”. 

Outra descoberta de Carolina é sobre a relevância das mulheres criarem redes informais de apoio para compartilharem experiências, ideias e afetos. “Muitas questões que nós achamos que são pessoais, na verdade, permeiam a vida de todas nós. Esse ganho de consciência é empoderador”, revela a pesquisadora, que tem incentivado a formação de redes locais para unir as matemáticas. 

Outro importante aprendizado da singular jornada de Carolina é a maternidade. Mãe de Iago, de três anos, Carolina diz que, ao vivenciar a maternidade, passou a compreender que é preciso criar políticas públicas para que as mulheres não abandonem a ciência para cuidar de seus filhos. Defende a necessidade das universidades disponibilizarem creches e da academia avaliar de forma diferenciada a produção científica das mulheres durante os primeiros anos da maternidade ou da adoção de um filho. “É natural que a produção caia. Mas o impacto pode ser maior ou menor dependendo de cada mulher e da rede de apoio que ela tem. Existe até uma proposta para que seja disponibilizado um espaço na Plataforma Lattes em que a mulher possa inserir os dados do nascimento ou da adoção de filhos”. 

Carolina Araújo com Iago: destaque em um dos painéis da exposição Elas, expressões de matemáticas brasileiras
(crédito da imagem: Rafael Meireles Barroso)

Vídeo para despertar – A matemática Christina Brech também se lembra do ponto crucial para sua mudança de percepção em relação a gênero: foi em 2012, quando já era professora no Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP, em São Paulo. “No dia do lançamento do vídeo Science it´s a girl thing, uma iniciativa da União Europeia, eu acessei a plataforma e assisti. Era catastrófico. Foi tirado do ar em menos de 24 horas. Fiquei chocada. Comecei a ver as discussões que estavam acontecendo na internet a respeito do assunto e aí comecei a pensar mais nessa questão”. 

O vídeo é de assustar: para mostrar que “a ciência é uma coisa de menina”, a área é, literalmente, toda pintada de cor-de-rosa. As meninas andam com seus saltos altos e minissaias por um laboratório de química, repleto de batons e produtos de maquiagem. 

O incômodo mobilizou Christina. Ela começou a pensar que, em todo processo de produção daquele vídeo, havia um viés repleto de estereótipos de gênero e as mulheres não podiam deixar isso acontecer. Não por acaso, Christina participou ativamente do processo de elaboração do documentário Jornadas de Mulheres na Matemática (Journey of Women in Mathematics). Produzido pelo Comitê para Mulheres em Matemática da União Matemática Internacional em parceria com a Simons Foundation, a primeira parte do filme conta a trajetória de três matemáticas: a brasileira Carolina Araújo e as matemáticas Neela Nataraj, da Índia, e Aminatou Pecha, de Camarões. Já a segunda etapa do documentário, filmada durante o (WM)², deu voz a outras seis matemáticas presentes no evento. 

Quando as gravações do documentário foram realizadas no Rio de Janeiro, Christina acompanhou tudo de perto. Para ela, o vídeo tem dois objetivos principais: mostrar que há pesquisadoras na área que podem inspirar meninas e destacar, para a própria comunidade de matemáticos, que essas mulheres existem. “A gente é invisibilizada. Talvez, muitos pensem que não existe pesquisa em matemática em Camarões, menos ainda uma mulher atuando na área. Mas há e ela está fazendo matemática apesar de todas as dificuldades”. 

Entre as inúmeras iniciativas que Christina ajudou a realizar no Brasil em prol de uma maior mobilização das matemáticas está a participação no comitê organizador do primeiro Encontro Paulista de Mulheres na Matemática, realizado em 2016 na Universidade Estadual de Campinas e do ciclo de debates Matemática: substantivo feminino, que aconteceu entre agosto de 2017 e junho de 2018 em 13 universidades de diferentes regiões do país. Ela também participou da equipe responsável pela exposição Ela está em tudo, que retratou 14 mulheres (estudantes e profissionais) que têm em comum o amor pela matemática. Além disso, Christina teve papel importante em prol da criação de uma comissão institucional para acolhimento da mulher no IME e participa de dois coletivos de mulheres na USP em São Paulo.

Christina participou ativamente do processo de elaboração do documentário Journey of Women in Mathematics
(crédito da imagem: arquivo pessoal)

Empatia é fundamental – “Posso adicionar você na rede Quem cala, consente?” Essa pergunta marca um ponto crucial na história da professora Thaís Jordão, do ICMC. Quando respondeu “sim” ao convite feito por Christina Brech por e-mail, no dia 1º de junho de 2015, e passou a fazer parte da rede para tratar de casos de assédio e violência sexual, Thaís começou a mudar sua perspectiva em relação à questão de gênero. “Muitos acontecimentos ao longo da minha carreira e comentários que havia ouvido até ali tinham passado despercebidos, eu não sabia nomear aquelas atitudes como assédio ou discriminação”, conta a professora. 

Com o aumento da conscientização, ela passou a compreender o quanto é fundamental colocar em pauta a discussão sobre a participação das mulheres nas ciências exatas. Quanto mais Thaís se envolve com a questão, mais garotas a procuram para compartilhar suas histórias, desabafar, solicitar um apoio ou apenas buscar um ouvido atento para seus relatos. “Algumas chegam reclamando das dificuldades que enfrentam no curso, comparando-se com algum garoto, que é considerado o gênio da turma. Então, eu tento mostrar que elas são tão capazes quanto os rapazes. Às vezes, só precisam de um toque para aumentar a autoestima e seguir adiante”. 

Um das cenas mais marcantes que a professora vivenciou foi em sala de aula, em um dia de avaliação da disciplina Cálculo III em uma turma de estudantes de Engenharia Aeronáutica. Uma das poucas garotas presentes na sala começou a chorar diante da prova, desesperada. A professora simplesmente acolheu a garota e a acalmou. Gestos simples e empáticos como esse, para Thaís, são tão relevantes e transformadores quanto iniciativas mais formais como a criação, no ano passado, de um grupo de extensão para apoiar as estudantes do ICMC e estimular que mais garotas ingressem em carreiras nas áreas de ciências exatas, o GRACE. Coordenado pela professora Kalinka Castelo Branco, Thaís também faz parte da iniciativa e já tem no currículo duas exposições de sucesso: Elas: expressões de matemáticas brasileiras, que já foi exibida em nove espaços, e Remember Maryam Mirzakhani, uma homenagem à única mulher a ganhar a Medalha Fields, a maior honraria da Matemática. 

A exposição em homenagem a Maryam foi um dos destaques do (WM)2. No encontro surgiu a ideia de criar o Dia da Mulher na Matemática. A data escolhida não poderia ser melhor: 12 de maio, dia do nascimento de Maryam. Nessa data, a mostra em homenagem à única mulher a ganhar a Medalha Fields será exibida em São Carlos, pela primeira vez, no ICMC. Não há dúvida de que a exposição será fonte de inspiração para meninas e mulheres e, talvez, até mesmo um ponto crucial na história de muitas delas.

A professora Thaís Jordão foi a curadora da exposição Remember Maryam Mirzakhani, uma homenagem à única mulher a ganhar a Medalha Fields, a maior honraria da Matemática
(crédito da imagem: Denise Casatti)

Mais histórias de mulheres do ICMC – Você pode ler mais histórias motivadoras conhecendo a trajetória de algumas mulheres que fazem parte do ICMC: como a de Maria Cristina Ferreira de Oliveira, a primeira mulher a assumir a direção do ICMC; ou de Kalinka Castelo Branco, coordenadora do GRACE; ou da professora Solange Rezende; ou da professora Maria Carolina Monard; da estudante Sabrina Tridico, que despertou com o encanto da computação; ou da funcionária e artesã Marília Marino (na página 26 desta edição da revista ICMCotidi@no). Confira também a entrevista com as professoras Maria Aparecida Ruas, a primeira mulher a chefiar o Departamento de Matemática do ICMC, e com a professora Sueli Aki, uma das professoras pioneiras do ICMC 

Texto: Denise Casatti – Assessoria de Comunicação do ICMC/USP 

Para saber mais 
Documentário Journey of Women in Mathematics: https://youtu.be/uNJ7riiPHOY
Projeto Pioneiras da Ciência no Brasil – http://cnpq.br/pioneiras-da-ciencia-do-brasil
Sobre o ciclo de debates Matemática: substantivo feminino – https://matematicasf.wordpress.com/
Sobre a exposição Ela Está em Tudo – http://elaestaemtudo.ime.usp.br
Comitê para Mulheres em Matemática – https://www.mathunion.org/cwm

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Idosos podem aprimorar as habilidades de escrita criativa em curso gratuito na USP

Oficina gratuita no ICMC propõe ensinar aos idosos técnicas de escrita que poderão ser empregadas para produzir diversos tipos de narrativas


Contar histórias é uma atividade prazerosa que encanta a humanidade desde os primórdios de sua trajetória. No princípio, as narrativas eram relatadas oralmente e passavam de geração em geração. Depois, com o advento da escrita e a ampliação do acesso à educação, mais e mais pessoas puderam registrar no papel essas histórias – inventadas ou baseadas na realidade. Hoje, com o desenvolvimento tecnológico, ampliaram-se os meios disponíveis para a publicação de narrativas e há muitos idosos sedentos por compartilhar suas experiências e conhecimentos. Para atender a essa demanda, o Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da USP oferecerá uma oficina de escrita criativa especialmente para os idosos. 

Um dos objetivos do curso de extensão intitulado Uma oficina para escrever e reescrever histórias de vida possibilitar que os idosos ampliem seus conhecimentos e habilidades sobre técnicas de escrita. A ideia é capacitá-los para que possam tanto registrar suas próprias experiências quanto ouvir as histórias de outros idosos e construir narrativas atraentes. 

As atividades envolverão leituras e redações de textos por meio de uma troca de experiências entre os participantes, que serão motivados a produzirem textos criativos empregando técnicas do método Escrita Total, criado pelo pesquisador Edvaldo Pereira Lima, professor aposentado da Escola de Comunicações e Artes da USP. No total, serão oito encontros semanais que acontecerão nas tardes de sexta-feira, das 15 às 17 horas, começando no dia 25 de janeiro e terminando no dia 15 de março. 

Coordenada pela professora Sandra Aluísio, do ICMC, a oficina será ministrada pela analista de comunicação Denise Casatti, que trabalha no Setor de Apoio Institucional do ICMC. Jornalista e mestre em ciências de comunicação pela USP, Denise faz doutorado em psicologia na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). A jornalista explica que, entre as metas da oficina, está também contribuir para que os idosos possam se expressar com mais clareza, coerência e concisão em seus textos escritos, visando à eficácia da comunicação. 

Para participar, é necessário ter pelo menos 60 anos. Há 15 vagas disponíveis e as inscrições devem ser realizadas, até dia 22 de janeiro, pelo site www.icmc.usp.br/e/e6fc4 ou pessoalmente na Seção de Apoio Acadêmico do ICMC, por meio da apresentação dos documentos pessoais do idoso (RG e CPF). 

A Seção de Apoio Acadêmico do ICMC fica na sala 3-169 do Instituto, na área I do campus da USP, no centro de São Carlos. O horário de atendimento da Seção é das 9 às 11 horas e das 14 às 16 horas. As senhas para efetuar as inscrições começarão a ser distribuídas a partir das 8 horas até serem preenchidas todas as vagas. 

Texto: Assessoria de Comunicação ICMC/USP 


Mais informações Comissão de Cultura e Extensão Universitária do ICMC: (16) 3373.9146
E-mail: ccex@icmc.usp.br

Inscrições: www.icmc.usp.br/e/e6fc4

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Uma mulher à frente do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da USP

Esta é a primeira vez, em 46 anos, que o Instituto está sob direção de uma mulher; filha de um taxista e de uma dona de casa que também era costureira, Cristina sempre estudou em escolas públicas e se tornou professora, tal como as quatro irmãs, em uma universidade pública

Cristina (segunda à esquerda)  logo após a cerimônia de posse como diretora do ICMC:
as quatro irmãs são professoras em universidades públicas brasileiras
(crédito: Denise Casatti)

Este texto não existiria se a história de Maria Cristina Ferreira de Oliveira não fosse uma exceção. O ineditismo é um dos aspectos que mais chamam a atenção na trajetória dessa professora da USP que se tornou a primeira mulher a assumir a direção do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC), umas das cinco unidades de ensino e pesquisa do campus da Universidade, em São Carlos. 

Aliás, é provável que Cristina só tenha aceitado o desafio de relatar o percurso de sua vida porque compreendeu o quanto compartilhá-lo pode ensejar reflexões e até inspirar outras jornadas. Para quem tem uma personalidade reservada como ela, o autoelogio é uma impossibilidade. Talvez seja por isso que a professora se sinta incomodada em expor sua vida, embora esteja tão acostumada a estar diante de plateias em salas de aula e encontros científicos. 

Mesmo com a timidez característica de Cristina nunca saindo de cena, depois de alguns momentos de bate-papo, o diálogo flui espontaneamente e de forma descontraída. Aos poucos, ela se revela com franqueza para o interlocutor, especialmente quando vai detalhando as escolhas que fez ao longo do caminho e a tornaram quem ela é hoje. “Eu tenho muito orgulho de ter feito escola pública e estar aqui. Eu gostaria de ver mais gente com essa história entrando na USP”, diz a professora no início da noite de 18 de junho. 

Cristina discursa na cerimônia de posse: na mesa de honra, ela era a única mulher entre 11 homens
(crédito:Denise Casatti)

Acomodada em uma das mesas no espaço coberto adjacente à lanchonete do Instituto, usando jeans e blusa de malha, ela relata de forma objetiva os princípios e valores que a motivam: “O que muda a vida de uma pessoa é conseguir estudar, fazer um curso de graduação e se sair bem. Assim, ela tem uma opção de vida. É uma oportunidade única. Sou muito agradecida porque eu e minhas quatro irmãs tivemos a oportunidade de estudar. Hoje, a vida que temos é incomparável à vida que meus pais tiveram”. Na fala de Cristina, está a essência do que significa o conhecimento para ela: transformação. 

Cristina e suas quatro irmãs são doutoras e docentes em universidades públicas brasileiras. Nascidas em São Carlos, as cinco irmãs estudaram em escolas públicas durante todo o ensino básico e superior. Taxista, o pai transportava pessoas e mercadorias para cidades vizinhas em sua perua Kombi. Para reforçar a renda da família, a mãe, dona de casa, também costurava. Habilidosa, fez o próprio vestido de casamento e tentou – sem muito sucesso – ensinar o ofício às filhas e iniciá-las na arte do crochê, do bordado e da pintura em tecido. Mas o desejo profundo daquela mãe era expresso em uma frase que dona Diomar repetia à exaustão para as garotas: “Mulher tem que estudar e ter carreira para não depender do marido”. Ela não queria ver as meninas presas a casamentos infelizes por falta de opção, algo bastante comum nos anos 60 e 70 do século passado. 

Descendente de lavradores italianos, dona Diomar só teve oportunidade de cursar até a 4ª série do fundamental. Por isso, mesmo com o orçamento apertado, resistiu à ideia que predominava naquele tempo e não quis que as filhas começassem a trabalhar em uma fábrica assim que concluíssem o ensino médio. Ela e o marido sabiam que, em São Carlos, as meninas tinham a oportunidade de estudar em uma das duas universidades públicas (USP e UFSCar) e, dessa forma, poderiam arcar com o sustento da família até todas se formarem. 

As gêmeas – Cristina e sua irmã gêmea, Maria do Carmo, são as mais velhas do quinteto e as boas notas conquistadas na infância e na adolescência deixaram um legado para a posteridade e um fardo para as caçulas da família. Se as mais novas tiravam nota baixa, os professores logo as lembravam de que era preciso seguir o exemplo das “gêmeas”. Até o sétimo ano do fundamental, as duas permaneceram na Escola Estadual Bispo Dom Gastão, na Vila Prado. Depois, seguiram para a Escola Estadual Professor Arlindo Bittencourt. Foi lá que a professora de matemática Regina Tancredi sugeriu que Cristina poderia cursar matemática, mas que computação também era uma interessante opção para quem gostava de ciências exatas. 

Diomar com as gêmeas Maria Cristina e Maria do Carmo
(crédito: Arquivo pessoal)

Ao concluírem o ensino fundamental, as gêmeas prestaram uma espécie de “vestibulinho” e foram aprovadas – Maria do Carmo em primeiro lugar e Cristina em terceiro – para cursar o ensino médio na Escola Estadual Doutor Álvaro Guião. Inseparáveis até então, a trajetória das duas só deixou de caminhar em paralelo no cursinho, quando Maria do Carmo foi aprovada em Engenharia Química na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) no meio de 1981 e Cristina amargou a frustração de não passar em Engenharia de Materiais. Ela permaneceu no cursinho por mais seis meses sem sua gêmea. Sorte do ICMC que, no início de 1982, conquistaria uma nova aluna: Cristina começou a fazer Ciências de Computação. 

“O bom de ter uma irmã gêmea é que você tem, desde pequenininha, uma pessoa que sempre vai dividir, mais ou menos, as mesmas coisas com você. Quando começa a ir à escola, você não começa sozinha. Quando vai prestar vestibular, tem alguém na mesma direção”, diz Maria do Carmo, a irmã gêmea de Cristina, logo depois da cerimônia de posse da nova diretora, na noite de 17 de agosto. 

Orgulhosa da irmã, Maria do Carmo revela que a cerimônia tem um significado especial: “É uma data marcante para a gente. Amanhã, se meu pai estivesse vivo, faria 86 anos e, com certeza, estaria muito orgulhoso”. Professora no Departamento de Engenharia Química da UFSCar, onde fez a graduação em Engenharia Química, Maria do Carmo conta que a ligação forte com a irmã permanece: “Somos muito companheiras e sempre nos demos muito bem. Só nós duas moramos em São Carlos e dividimos os cuidados com a minha mãe, que está com 83 anos.” 

Aliás, as outras três irmãs também seguiram carreira na área de Química, tal como Maria do Carmo, mas optaram pela graduação na USP, tal como Cristina. Marysilvia, que nasceu cerca de dois anos depois das gêmeas, é hoje professora na Universidade Federal do Rio de Janeiro; cinco anos adiante, chegou Marystela, que atualmente é professora na Universidade Federal de São Carlos em Sorocaba; a caçula, Mariselma, veio uma década depois das gêmeas e, hoje, é professora na Universidade Federal do ABC. 

Cristina (de vermelho, ao centro) com sua turma durante a formatura em Ciências de Computação no ICMC

Mulheres na USP – Ao ingressar em uma das primeiras turmas de Computação do ICMC, curso oficialmente reconhecido pelo Ministério da Educação em 1981, Cristina encontrou uma sala de aula bastante equilibrada: cerca de 50% dos estudantes eram homens e 50% mulheres. Essa informação pode causar surpresa, já que a área de tecnologia atualmente é ocupada, majoritariamente, por homens. Entre as décadas de 1970 e 1980, houve uma grande inversão nos gêneros da área de tecnologia no mundo todo, mesma época em que surgiu o computador pessoal. 

Nos últimos cinco anos, por exemplo, apenas 9% dos alunos formados no curso de Ciências de Computação do ICMC eram mulheres; no Bacharelado em Sistemas de Informação, o índice chegou a 10% e em Engenharia de Computação, 6%. A diferença começa antes do ingresso na Universidade, já que as carreiras da área de computação são pouco procuradas pelas garotas, uma situação que vem gerando preocupação dentro da academia e estimulado o surgimento de diversas iniciativas destinadas a atrair mais mulheres para as ciências exatas. 

Cristina sabe quanto sua ascensão à diretoria do ICMC é simbólica nesse momento em que a busca pela igualdade de gênero ganha mais relevância a cada dia. Entre as 42 unidades de ensino e pesquisa que compõem a USP, 15 delas (35,71%) têm mulheres na direção atualmente. Mas somente duas dessas 15 unidades são da área de ciências exatas: o ICMC e a Escola Politécnica. “A Universidade como um todo, em média, está bem equilibrada na questão de gênero. Mas algumas áreas ainda têm problemas muito sérios, especialmente devido a aspectos culturais. Aqui em São Carlos, em que há o predomínio das ciências exatas e tecnológicas, temos um problema localizado. Mas, felizmente, pouco a pouco isso está sendo modificado. A posse de uma primeira diretora no ICMC já é um bom sinal. É um marco importante e isso vai ajudar, certamente, esse campus de São Carlos a ter uma alteração, uma renovação”, afirmou o reitor da USP, professor Vahan Agopyan, na noite da posse de Cristina. 

Tornar-se a primeira mulher a ocupar esse cargo de direção não foi algo que Cristina planejou, simplesmente aconteceu de forma natural, especialmente a partir do momento em que foi convidada para ser vice-diretora do Instituto pelo professor Alexandre Nolasco de Carvalho na gestão anterior (2015-2018). O ICMC mantém uma tradição de continuidade e, ao longo dos anos, a tendência é de que quem ocupa a vice-diretoria assuma a direção na gestão seguinte. 

Apesar de destacar que nunca teve dificuldades na carreira por ser mulher, uma situação embaraçosa aconteceu quando Cristina foi indicada para fazer seu primeiro estágio, antes mesmo de se formar. O professor Fernão Stella de Rodrigues Germano, docente do ICMC que já faleceu e dá nome ao maior auditório do Instituto, recebeu certo dia o telefonema de uma grande empresa que atuava em São Carlos e estava em busca da indicação de um estagiário. Fernão logo falou sobre Cristina. Do outro da linha, o representante da empresa frisou que queria a indicação de um homem. Fernão não hesitou e respondeu: “Ela é o melhor homem que eu tenho aqui.” Resultado: Cristina conseguiu o estágio e trabalhou na empresa durante os últimos seis meses do curso, em 1985. 

Mas ela já havia sido capturada pela magia da ciência antes, quando conquistou uma bolsa da FAPESP para desenvolver seu projeto iniciação científica. Lembra-se que essa foi a primeira vez que obteve alguma renda. A iniciação científica despertou em Cristina o desejo de prosseguir na carreira acadêmica e fazer mestrado. O que não imaginava é que, apenas dois meses depois de se formar, ela se tornaria professora no ICMC. “Naquele tempo, a pós-graduação em computação estava começando, havia pouca gente no Instituto e não era preciso fazer concurso para ingressar como docente. Bastava ser aprovado no processo seletivo e se comprometer em ingressar no mestrado”, explica. Foi assim que Cristina e uma colega de sua turma, Rosane Minghim, que também é professora no ICMC até hoje, tornaram-se docentes da USP em fevereiro de 1986. 

O primeiro computador pessoal a gente nunca esquece: em São Carlos, Cristina disputava um dos poucos terminais existentes com outros professores e alunos, foi na Universidade de Wales que teve seu primeiro PC
(crédito: Arquivo pessoal)

Amor e doutorado – “Ninguém teve que pedir mais a mão de uma mulher em casamente do que eu”, brinca Osvaldo Novais de Oliveira Jr, que é casado com Cristina há 31 anos. Professor no Instituto de Física de São Carlos (IFSC), Osvaldo é mais conhecido como “Chu”, apelido carinhoso que ganhou na adolescência, tempo em que a expressão “Chuchu beleza” era moda. Chu explica que, além de receber o “sim” de Cristina, precisou do aval de muito mais gente: primeiro do senhor Walter, pai da moça; depois foi a vez do então departamento de Ciências de Computação e Estatística do ICMC, que precisou liberar a professora recém-contratada para estudar no exterior; a seguir, foi necessário o aceite da Universidade de Wales, no Reino Unido, onde Cristina fez o doutorado; por último, até a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) entrou na dança do “sim”, já que a ida do casal ao Reino Unido só aconteceu porque houve apoio financeiro da instituição, que concedeu uma bolsa de doutorado à Cristina. 

Com a permissão de todas as instâncias cabíveis, Chu e Cristina se casaram no dia 14 de março de 1987. Nem tiveram tempo de curtir a lua de mel. No dia seguinte, embarcaram no voo rumo a Bangor, no Reino Unido, onde Chu já estava fazendo o doutorado desde setembro de 1986 na Universidade de Wales. “Eu nunca tinha viajado para fora do país e meu medo era que estudar lá não desse certo”, conta a professora que, para aproveitar a oportunidade no exterior, precisou abandonar o mestrado que havia começado no IFSC. Deu tão certo que ela fez o doutorado direto antes do tempo previsto, que costuma ser de quatro anos.  

Recém-casados, Chu e Cristina  partiram para o Reino Unido em busca do doutorado
(crédito: Arquivo pessoal)

Em julho de 1990, Cristina e o marido voltaram ao Brasil. Um ano e dois meses depois, nasceu Ligia. Dois anos e quatro meses depois, chegou Tiago. “Eu tenho muito orgulho da minha mãe e dos meus avós. Eu sei que eles insistiram muito para que as filhas estudassem. Ela é um exemplo de retidão, muito responsável e muito correta com tudo”, disse Ligia, emocionada, no fim da cerimônia de posse da mãe como diretora do ICMC. Formada em Direito pela USP, ela mora em São Paulo e diz que se identifica muito com Cristina. 

Como não poderia deixar de ser, o ICMC tem papel relevante nessa história de amor e doutorado. Foi em uma festa promovida por Edson Moreira, hoje professor aposentado do ICMC, que eles se conheceram. Ele já tinha visto a moça algumas vezes, porque ela descia em um ponto de ônibus próximo da república em que Chu morava: “Mas eu nunca teria coragem de me aproximar dela, porque no começo dos anos 80 os estudantes eram muito mal vistos pelos são-carlenses. Não havia qualquer esperança”. Nas festas do Centro Acadêmico Armando Sales de Oliveira (CAASO), a desigualdade de gênero não favorecia qualquer aproximação, em média havia uns 500 homens e umas 5 mulheres. 

Amigo de Edson, Chu estava saindo da festa quando Cristina chegou com algumas amigas. Uma delas, Mônica, era filha do professor Fernão e amiga de Edson. Então, naquele universo tão escasso de mulheres, Edson insistiu para que o amigo não fosse embora. Deu certo: Chu tomou coragem e chamou Cristina para dançar. Na noite seguinte, domingo, ele a convidou para ir à pizzaria. Ela aceitou. Pronto: o casal nunca mais se separou. Era agosto de 1985 e Chu já estava preparando as malas para embarcar no doutorado. O que ele nem Cristina imaginavam é que o amor construído até setembro de 1986 se fortaleceria ainda mais durante os seis meses que permaneceram a um oceano de distância. 

Tiago, Cristina e Ligia logo após a posse da mãe como diretora do ICMC

As trajetórias científicas dos dois às vezes também se cruzam e fazem brotar projetos e artigos. No pós-doutorado, optaram por um local em que ambos pudessem desenvolver seus projetos e foram, carregando os dois filhos, para a Universidade de Massachusetts, nos Estados Unidos, em 2000, onde ficaram por um ano. Chu conta que a esposa é uma líder nata e diz que sua gestão no ICMC “será muito bem feita, porque tudo o que ela faz é muito bem feito”. 

Para Cristina, o Instituto precisa formar cientistas, bacharéis, engenheiros e licenciados com habilidades para desempenhar suas missões não apenas com competência, mas com sabedoria e ética. “À busca por formar recursos humanos de alto nível, gerar e transferir conhecimento para a sociedade, precisamos agregar nossa luta por uma educação de qualidade também nos níveis de ensino fundamental e médio para todo o país. Eu acredito que o acesso à educação de qualidade é a forma mais ampla e mais justa de oferecer igualdade de oportunidades de acesso ao ensino superior àqueles que assim desejarem. Eu e minhas irmãs, aqui presentes, somos um exemplo”, declarou a diretora no seu discurso de posse. 

“Desde o ensino fundamental até a universidade, tive o privilégio de contar com a sabedoria, o apoio e o entusiasmo de muitos professores genuínos, pessoas bem formadas, competentes, exigentes, dedicadas, comprometidas com sua missão e com disposição para apresentar aos alunos um mundo de possibilidades”, completou Cristina, agradecendo a todos os professores que a estimularam a seguir sua carreira. 

Que a história dessa primeira mulher a assumir a diretoria do ICMC seja também um estímulo para as garotas enxergarem o mundo das ciências exatas como uma possibilidade. Só assim a história de Cristina deixará de ser uma exceção. 

Para Cristina, o acesso à educação de qualidade é a forma mais ampla e mais justa de oferecer igualdade de oportunidades de acesso ao ensino superior|
(crédito: Denise Casatti)

Texto: Denise Casatti – Assessoria de Comunicação do ICMC/USP 


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terça-feira, 8 de maio de 2018

A cientista antenada

Conectando-se com as emoções humanas, uma pesquisadora mineira conseguiu aliar sua carreira acadêmica na área de inteligência artificial com as dimensões menos exatas da vida

Solange (ao centro) abraça o filho Vitor ao lado da filha Naiara e do marido Anandsing
na fazenda Pedra Branca, onde viveu a primeira infância

Uma tiara vermelha com antenas chama a atenção de um garoto que está deitado em um dos leitos da Santa Casa de Misericórdia de São Carlos, cidade no interior do Estado de São Paulo. Da direção da tiara surgem dedos que conversam com o menino como se fossem pequenos seres vivos animados. São aqueles dedos que tiram Vitor, 5 anos, da apatia em que se encontrava há uma semana, desde o momento em que foi internado e deixou de interagir com o mundo. 

Em silêncio, aos poucos, os dedos do garoto também passam a ganhar vida e começam a se comunicar com as mãos daquela mulher que usa tiara vermelha e se localiza no meio do palhaço e da fada, para os quais Vitor não dá a menor bola. Logo, ele se senta à cama e recebe, de presente, uma bexiga azul em formato de cachorro, esculpida pelos dedos alegres e desconhecidos. Aos poucos, aquele trio se despede e sai do quarto mudo. Só depois que cruzam a linha da porta e desaparecem, o silêncio do garoto se rompe e sua voz alcança o corredor do hospital: “Anteninha, eu te amo”. 

É nesse momento que as emoções da mulher de tiara vêm à tona, junto com a imagem de seu próprio filho, que também é Vitor, que também tem 5 anos. Em vez de doente na cama, o filho dela está saudável, brincando na casa em que vivem, a poucos quilômetros dali. Apelidada de Anteninha, Solange Rezende permite-se agora chorar, pois já está fora do quarto. Depois de se recompor, volta ao encontro do garoto. Ao rever Anteninha, Vitor pede outro presente: quer uma cadelinha cor-de-rosa para fazer companhia ao cachorro azul. 

Solange como Anteninha durante a visita que fez à Santa Casa no último domingo, 6 de maio
Ciência com emoção – O acontecimento relatado acima, vivido 13 anos atrás, está marcado na memória de Solange e, ao ressurgir no bate-papo desta manhã de sábado, 5 de maio de 2018, deixa os olhos brilhantes de Anteninha marejados. Professora do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, desde 1991, Solange é uma das 110 voluntárias do grupo Amor em Gotas, que se dedica a levar alegria a crianças hospitalizadas. Atuando como voluntária há 16 anos, hoje ela é uma das gestoras da iniciativa e carrega com orgulho, naquela manhã, o álbum de fotos das inúmeras visitas que já fez. Em uma das imagens, aparece vestida de branca de neve. “A essência da vida está nos detalhes, quando enxergamos o poder que temos em nossas mãos”, diz Solange, e completa: “Às vezes, um pequeno gesto possibilita conexões”. 

No álbum de fotos, destaque para a Branca de Neve
Segundo ela, as experiências vividas como voluntária contribuíram efetivamente para ampliar suas percepções nas pesquisas científicas que realiza na área de inteligência artificial: “O ambiente acadêmico é muito competitivo e somos cobrados a todo tempo. Muitas vezes, ficamos correndo atrás de suprir essas demandas e nos esquecemos da essência da vida”. Ela diz que a atuação no grupo Amor em Gotas, mudou até a forma como lida com seus alunos. “Passei a dar mais abertura para os estudantes. Hoje, sempre que precisam de alguma ajuda, eles me procuram”. 

Em um mundo em que as máquinas têm a capacidade de aprender, em que é possível extrair conhecimento de uma infinidade de dados (a área de mineração de dados é a especialidade de Solange), surge a pergunta: será que um dia os computadores serão capazes de desenvolver uma sensibilidade comparável à de Anteninha e poderão promover novas conexões entre os seres humanos? Para Solange, esse é o limite do desenvolvimento da inteligência artificial. Por mais que o conhecimento avance, ela acredita que as máquinas nunca desenvolverão percepção, sensibilidade e intuição tal como os humanos.


Vida na fazenda – A história dessa pesquisadora começou no interior de Minas Gerais, na cidade de Comendador Gomes. Foi lá, a 40 quilômetros do município, na fazenda Pedra Branca, que ela estabeleceu contato com o universo do conhecimento, guiada pelas mãos de Margarida. Foi ela que lhe apresentou as primeiras letras e números no quarto construído pelo pai para ser escola de Solange, a filha mais velha, do irmão Hugo, um ano mais novo, e de José, três anos mais moço. Como a professora morava na casa da família, a turminha tinha aula 24 horas por dia, sete dias por semana. 

Só no quarto ano do ensino fundamental é que a mãe, Zilda, e as crianças precisaram ir para Frutal, cidade vizinha, e os pequenos começaram a frequentar uma escola pública. Agora, a família tinha também um novo membro: Ataídes, sete anos mais novo do que Solange. O quarteto passava a semana na cidade com a mãe e voltava à fazenda aos finais de semana, onde o pai trabalhava e continuava morando. 

No segundo ano do ensino médio, que Solange cursava pela manhã, conseguiu uma bolsa de estudos para fazer o “Normal” à noite, uma espécie de curso técnico para quem desejava dar aula no ensino fundamental. Naquele tempo, ela já começou a pensar que não queria morar a vida toda naquela região e construir um futuro igual ao da maioria de seus primos de primeiro grau – 82 no total, contando tanto os do lado materno quanto paterno. A inspiração veio, então, de duas primas que tinham prestado vestibular e estudavam na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Com a ajuda delas, Solange convenceu a família de que também deveria fazer faculdade na UFU e foi assim que começou sua trajetória acadêmica: cursando Licenciatura em Ciências, com habilitação em matemática. 

Hugo, Ataídes, a professora Margarida, José e Solange (da esquerda para a direita):
a professora mora hoje em uma fazenda a poucos quilômetros
de onde ensinou as primeiras letras e números para Solange

Da matemática à computação – No início da faculdade, Solange sabia que se tornaria professora e o sonho era fazer pós-graduação em matemática pura na Universidade de Brasília. Sempre foi a professora dos irmãos, por insistência da mãe, já que a caderneta de notas toda azul da garota contrastava com as cadernetas vermelhas dos meninos. Por isso, aos 15 anos, quando o pai perguntou o que ela queria ser quando crescesse, respondeu: “Quero dar aula para gente inteligente”. A resposta dura tinha uma justificativa: os irmãos não gostavam de estudar e ela se sentia uma professora frustrada. “Na verdade, o que eu tentei dizer é que queria dar aula para quem gostasse de aprender”, diz. 

E de gostar de aprender ela sempre gostou. Tanto que, quando o professor de topologia da UFU, Viktor Bojaczuk, voltou de uma viagem à Polônia com um computador portátil Apple em mãos e perguntou aos alunos quem desejava se aprofundar em uma nova área do conhecimento, ela topou de imediato. “Era 1985 e a gente não tinha acesso ao computador, ele ficava fechado em uma sala e quem mexia na máquina era um operador. Nas aulas de programação, nós escrevíamos os códigos em uma folha verde e mandávamos para o operador, rezando para que ele entendesse o que a gente tinha escrito e que a máquina executasse aqueles comandos de forma correta até o final do semestre”, recorda-se Solange. 

Então, quando ela viu pela primeira a oportunidade de mexer diretamente em um computador portátil, não pensou duas vezes. Solange ouviu a palavra inteligência artificial pela primeira vez na aula de Bojarkuzc, que anunciou profeticamente: “Estou aprendendo a programar com uma linguagem diferente, que é totalmente lógica e tem tudo a ver com matemática. Mas é algo muito maior, que vai estar presente na vida de todo mundo no futuro, a inteligência artificial”. 

A tal linguagem de programação é ensinada até hoje no início das disciplinas de inteligência artificial, chama-se Prolog. Depois que teve acesso a programar diretamente no computador usando Prolog, Solange sabia que seu destino não estava mais atrelado à matemática pura, o que ela queria era computação: “O professor Bojaczuk mudou o rumo da minha vida”. Dois outros professores, Sergio Schneider e Costa Pereira, falaram para a garota sobre a USP, em São Carlos, dizendo que lá havia uma professora que atuava na área de inteligência artificial: Carolina Monard. 

Assim que se formou, Solange viajou para São Carlos e conheceu Carolina. Começou a fazer mestrado em Ciências de Computação e Matemática Computacional no ICMC em 1987. Quatro anos depois, quando estava no primeiro ano do doutorado em Engenharia Mecânica, na Escola de Engenharia de São Carlos (EESC), prestou um concurso para se tornar professora no ICMC, onde está até hoje. 

Além de ministrar aulas e realizar pesquisas na área de inteligência artificial, Solange também ensina empreendedorismo. Aliás, ela foi uma das responsáveis, junto com o professor André de Carvalho, também do ICMC, por inserir a temática do empreendedorismo nos cursos de computação do Instituto. Sob sua orientação estão sete doutorandos, três mestrandos, quatro alunos de iniciação científica e um pós-doutorando. Nas quintas à tarde, ela atua como consultora em uma startup são-carlense chamada Itera. Ainda sobra fôlego para o Amor em Gotas e para coordenar o festival de divulgação científica Pint of Science em São Carlos, que acontecerá dias 14, 15 e 16 de maio, juntamente com outras 55 cidades brasileiras e mais 20 países do mundo. “Sou uma apaixonada pela vida e pela possibilidade de ajudar as pessoas que desejam entrar em movimento para buscar seus sonhos”, diz. 

Ao relatar sua história, Solange dá indícios de onde nasce a motivação para o seu fazer. Entre os ensinamentos do pai, seu Amador, falecido há sete anos, uma frase se destaca na memória: “Filha, a vida inteira você tem que cuidar para que o brilho dos seus olhos nunca se apague”. Talvez esse seja o segredo de Solange: manter-se antenada com o que faz os olhos brilharem. 

Encontro no fim de 2017 na casa de Solange:  confraternização reuniu alunos do Laboratório de Inteligência Computacional do ICMC e seus familiares

Texto: Denise Casatti – Assessoria de Comunicação do ICMC/USP 

Mais informações 
Pint of Science São Carlos: https://pintofscience.com.br/events/saocarlos
Laboratório de Inteligência Computacional do ICMC: http://labic.icmc.usp.br
Assessoria de Comunicação do ICMC: (16) 3373.9666