segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Tecnologia em sala de aula: alunos do ICMC desenvolvem ferramentas para auxiliar o ensino de computação

Já estão à disposição de professores e estudantes 19 Recursos Educacionais Abertos que explicam conceitos básicos sobre sistemas operacionais

Com o projeto, o professor Paulo de Souza conseguiu aumentar o
desempenho obtido pelos alunos nas avaliações

Tornar as aulas mais dinâmicas, atraentes, participativas e aumentar o rendimento dos alunos. Para alcançar essas ambiciosas metas, um professor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, decidiu seguir à risca um preceito: aprenda, ensine e aprenda mais. Ele propôs a estudantes de graduação e pós-graduação que desenvolvessem Recursos Educacionais Abertos para auxiliarem no ensino de conceitos da área de computação e se surpreendeu com os resultados alcançados: a criação de 19 ferramentas gratuitas disponibilizadas na internet, um aumento de mais de 50% no desempenho obtido nas avaliações e a certeza de que sempre é possível melhorar a forma como transmitimos nossos conhecimentos.

“Temos alunos mais felizes, com aquele sentimento que vai além da satisfação de ter aprendido algo novo, porque eles sabem que também estão contribuindo para que mais estudantes aprendam. Isso não tem preço”, revela o professor Paulo de Souza. “A possibilidade de contribuir para o aprendizado de outros alunos é um atrativo a mais no desenvolvimento do trabalho e levou todos a se empenharem ao máximo durante a elaboração da ferramenta, o que resultou em um melhor desempenho na disciplina”, completa a estudante Elisa Marcatto, que cursa Engenharia de Computação.

Ela desenvolveu, juntamente com mais três colegas de curso – Denilson Marques Junior, Lucas Tomazela e Victor Nunes –, uma animação chamada MEEG com o objetivo de explicar alguns conceitos importantes da área de sistemas operacionais. “O principal desafio foi conciliar o assunto a ser ensinado com o propósito educativo. Precisamos não apenas compreender a fundo os conceitos da disciplina, mas também planejar a melhor forma de expor as informações aos usuários para que tivessem uma experiência divertida”, diz Elisa. 

O grupo decidiu usar dois gatinhos, uma geladeira e garrafas de leite para mostrar como os processos devem ser executados por um sistema que roda dentro de um computador. Na animação, o usuário vai perceber que apenas um gatinho pode pegar as garrafas de leite da geladeira por vez ou devolvê-las. É isso que acontece também em um sistema operacional: o fluxo dos processos à memória do computador precisa ser controlado de forma similar ao fluxo dos gatinhos à geladeira. 

De acordo com Souza, pode ser classificado como Recurso Educacional Aberto todo conteúdo educativo disponibilizado de forma que qualquer pessoa possa usá-lo, aprimorá-lo, recombiná-lo e distribui-lo. “É bom lembrar que nenhuma dessas ferramentas foi feita para substituir o professor, mas sim para auxiliá-lo em sala de aula”, destaca Souza.

Gatinhos, geladeira e garrafas de leite fazem parte da animação MEEG

Um jantar com filósofos – Entre as ferramentas criadas pelos alunos há um simulador reunindo cinco filósofos em uma mesa circular. Todos eles querem comer sushi com hashis, aquelas famosas varetas utilizadas como talheres nos países do extremo oriente. Cada filósofo precisa de dois hashis – o que está à direita e o que está à esquerda – para conseguir comer o sushi. O problema é que essas varetas são um recurso limitado e, se todos decidirem comer ao mesmo tempo, não haverá hashis suficientes. Eles precisam encontrar uma solução e sincronizar o momento de cada um comer a fim de que ninguém morra de fome. Esse também é um problema enfrentado pelos programadores quando constroem um sistema operacional: é preciso pensar que os processos acessarão recursos limitados do computador para executar suas tarefas e, se todos decidirem acessá-los ao mesmo tempo, haverá um impasse.

“Eu nunca tinha passado por nenhuma experiência semelhante, foi um trabalho inovador em todos os quesitos e um dos que eu mais gostei de fazer na USP. O professor nos deixou escolher o tema e tivemos a liberdade de desenvolver como queríamos, o que tornou o projeto ainda mais interessante”, conta Jéssika Darambaris, aluna de Engenharia de Computação que desenvolveu, junto com os colegas Andressa Andrião e Raphael Ferreira, a simulação do jantar dos filósofos.

Jéssika explica que o projeto serviu como uma excelente ferramenta de aprendizado para o grupo de estudantes, já que foi necessário mergulhar de cabeça no problema para a criação do simulador: “Além disso, também servimos de público-alvo da metodologia: houve uma aula reservada para apresentação de todos os projetos criados e, após assisti-los, notei que contar com uma ferramenta gráfica facilita o entendimento do conceito, ou seja, auxilia no ensino e no aprendizado em sala de aula”.

No jantar, todos os filósofos querem comer sushis com hashis, mas o número de varetas é limitado

Desafio motivador – O professor Paulo de Souza lança logo uma frase de efeito na hora de propor aos alunos o desafio de desenvolver um Recurso Educacional Aberto: “Sabe aquela aula que eu dei e você odiou? Eu desafio você a fazer uma melhor”. No primeiro semestre desde ano, o desafio foi lançado para duas turmas para as quais ele estava ministrando aulas sobre sistemas operacionais, abrangendo cerca de 50 alunos do curso de Engenharia de Computação e 10 do Programa de Pós-Graduação em Ciências de Computação e Matemática Computacional. Cada turma foi dividida em grupos, o que resultou na criação das 19 ferramentas, sendo 14 desenvolvidas pelas mãos dos graduandos e 5 pelos pós-graduandos.

Com a finalidade de avaliar a relevância das ferramentas para o ensino, sua interface, seu processo de instalação e demais características, o professor criou um formulário que foi respondido por mais de 773 professores e alunos do ICMC e de instituições parceiras. “A média geral obtida nas avaliações chegou a 8,4. Considerando que a maioria dos desenvolvedores são estudantes com apenas dois anos de curso, o resultado é excelente”, comemora Souza.

O professor Luis Nakamura ministra a disciplina de sistemas operacionais no campus de Catanduva do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo e tem usado as ferramentas criadas pelos alunos do ICMC em sala de aula: “Eu não conhecia os Recursos Educacionais Abertos até o professor Paulo me convidar para avaliá-los. Eles são excelentes, pois os alunos podem modificá-los, alterando as configurações e os cenários apresentados para realizar testes e ver o que acontece com o funcionamento do sistema”.

Outra vantagem destacada por Nakamura é que as ferramentas ficam disponíveis para os estudantes mesmo depois que a aula acaba. “Eles podem acessá-las e estudar no momento mais adequado para eles. Nas aulas, explico o conteúdo da forma que estou acostumado, usando o quadro negro e os slides, e reforço a explicação com os Recursos Educacionais Abertos. Alguns são bem atrativos e chamam muito a atenção dos alunos”, conta Nakamura, que faz doutorado no ICMC.

 Recursos foram avaliados por 773 professores e alunos, conquistando média geral de 8,4%

Desempenho nota 10 – A ideia de motivar os alunos a criarem Recursos Educacionais Abertos surgiu depois da criação do Amnesia, um simulador usado para explicar como funcionam as memórias em um computador. Alunos de graduação e de pós-graduação que atuam no Laboratório de Sistemas Distribuídos e Programação Concorrente (LASDPC) do ICMC estão desenvolvendo o simulador desde 2007, sob orientação dos professores Paulo de Souza e Sarita Bruschi.

A partir do uso do Amnesia em sala de aula, os docentes notaram o quanto esse tipo de ferramenta poderia ser útil para o ensino na área de computação e o quanto valia a pena disponibilizar recursos como esses para professores em outras instituições. “O que nós estamos tentando fazer é melhorar o ensino não só na USP, mas em outros lugares”, diz Souza, que também contou com a colaboração dos professores Ellen Barbosa e Júlio Estrella durante o desenvolvimento do projeto.

Para comprovar a eficácia do novo método de ensino, Souza comparou as notas obtidas pelas duas turmas em que empregou a metodologia com o desempenho dos alunos em semestres anteriores. “Com a nova metodologia, eu alcancei 100% de aprovação, mantendo o mesmo nível de dificuldade da disciplina: aplicando provas semanais e bimestrais. Anteriormente, cheguei a reprovar 80% dos estudantes”, revela Souza.

Neste semestre, o projeto continua sendo realizado com outras duas turmas, alcançando aproximadamente 100 alunos do curso de Ciências de Computação. “O desafio deles agora é maior ainda porque vão querer produzir algo melhor do que seus antecessores já fizeram”, diz o professor. Depois dos primeiros seis meses aplicando a nova metodologia de ensino, Souza compartilha seu aprendizado: “Eu acho que as aulas não são perfeitas, mas se tentarmos e houver comprometimento, podemos melhorar. Meu papel aqui é fazer o aluno querer aprender. Quando o professor e os alunos querem, acontece”.

Neste semestre, projeto prossegue com mais duas turmas do curso de Ciências de Computação

Texto: Denise Casatti – Assessoria de Comunicação do ICMC/USP
Fotos: Reinaldo Mizutani - Assessoria de Comunicação ICMC/USP

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E-mail: comunica@icmc.usp.br