segunda-feira, 2 de julho de 2012

Projeto do ICMC propõe novos caminhos para a biocibernética

Segundo o pesquisador do Instituto, até 2030, chips implantados no cérebro serão comuns, devolvendo a capacidade de movimentos a deficientes físicos


Por Fernanda Vilela

As interfaces cérebro-máquina já auxiliam a vida de cerca de 200 mil deficientes físicos em todo o mundo. Agora, uma pesquisa do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC), da USP São Carlos, vai tentar ir ainda mais longe. O Projeto e fabricação de chips implantáveis utilizando materiais biocompatíveis para interfaces cibernéticas avançadas, aprovado pelo programa Ciência sem Fronteiras na categoria Visitante Especial, contempla uma parceria do ICMC com a Universidade do Sul da Flórida (USF), nos Estados Unidos, visando o intercâmbio de cientistas e alunos de graduação na área de biocibernética.

Gazziro: "Criaremos uma interface
totalmente sem fio e biocompatível"
Imagine um portador de algum tipo de deficiência física que consegue voltar a se locomover depois de ter um chip implantado em seu cérebro. Pode parecer um fato distante ou alguma cena de filme, mas essa realidade não é tão remota para o Prof. Dr. Mario Gazziro, docente ICMC e um dos autores do projeto aprovado pelo programa do Governo Federal. O pesquisador estipula que até 2030 essa tecnologia seja disseminada pelo planeta e torne-se acessível a todos, diminuindo consideravelmente o número de pessoas portadoras de deficiências físicas, como paraplegia ou tetraplegia. 

O Prof. Dr. Dilvan de Abreu Moreira, do Departamento de Ciências de Computação do ICMC, é o coordenador técnico do projeto. Além dele, participam também o Prof. Dr. Carlos Carlos Alberto dos Reis Filho, da Universidade Federal do ABC (UFABC), o Dr. Claudius Feger, do Centro de Pesquisas da IBM de São Paulo, além do americano Stephen Saddow, pesquisador da USF. Saddow, que é uma das referências mundiais na área da biocibernética, visitará o Instituto por três ocasiões, de dois meses cada, ao longo dos três anos em que a pesquisa será desenvolvida. 

Também coordenam o projeto a Profa. Dra. Agma Juci Machado Traina e o Prof. Dr. Sergio Henrique Monari Soares, respectivamente presidente e vice-presidente da Comissão de Pós-Graduação do ICMC. Para completar a equipe, participam também o Prof. Dr. João Navarro Soares Junior, da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC), o Prof. Dr. Eduardo do Vale Simões, do Departamento de Sistemas de Computação do ICMC e o Prof. Dr. Cleber Renato Mendonça, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC). 

Segundo o professor Gazziro, os dois grandes desafios da área chamada biocibernética são a compatibilidade com o organismo, ou seja, a chance de rejeição que o material utilizado para a fabricação do chip pode ter com o corpo humano, e também o consumo de energia gasta pelo eletrodo presente dentro do chip. Além disso, para este tipo de procedimento, os chips precisam de mais eletrodos do que os já existentes no mercado. Enquanto um implante artificial para retina, que auxilia deficientes visuais a enxergarem novamente, utiliza de 20 a 30 eletrodos, o chip implantado diretamente no cérebro via córtex e tátil motor, necessário para a substituição dos membros do corpo por elementos totalmente cibernéticos, utilizam cerca de 100 eletrodos. Isso gera uma necessidade de energia muito maior do que os componentes já comercializados no mercado.

Stephen Saddow (Foto: Site USF)
Ainda de acordo com Gazziro, a questão da biocompatibilidade já foi solucionada pelo professor Saddow, que participa do projeto como visitante. Nos experimentos anteriores, o material utilizado para a fabricação da matriz de eletrodos que compõem o chip era o silício, que provocava, dentre outros problemas, processos infecciosos quando implantados em cérebros dos ratos usados como cobaias, os quais, embora não danificassem o hospedeiro, causavam um processo de "cicatrização neural" em volta do eletrodo. Por isso, parte deles deixava de funcionar completamente ou perdiam muito de sua funcionalidade poucos meses depois de implantados. Tal procedimento tornava o método biologicamente incompatível. 

Para resolver esse problema,  a equipe de Saddow nos Estados Unidos estudou diversos materiais semicondutores nas últimas décadas, até descobrir que o carbeto de silício (3C-SiC) apresentava as propriedades necessárias para o desenvolvimento de uma inteface cerebral. Após trinta dias de implantação, o 3C-SiC não causou grandes problemas ao tecido neural das cobaias. 


O pontapé da Copa do Mundo

Segundo Gazziro, o trabalho que será desenvolvido complementa as diversas pesquisas na área feitas pelo médico e cientista brasileiro Miguel Nicolelis, que já foi considerado pela revista Scientific American como um dos vinte cientistas mais influentes do mundo. “Nicolelis modelou o funcionamento do cérebro e nós estamos tentando promover uma solução que seria uma interface cibernética avançada, totalmente sem fio e biocompatível”, disse.

Nicolelis espera fazer a primeira demonstração pública do projeto intitulado Walk Again, ou seja, "Andar Novamente", durante a Copa do Mundo de 2014, que acontecerá no Brasil. O cientista espera que, na primeira partida do torneio, os times sejam liderados não pelos capitães, mas por crianças brasileiras paraplégicas que andarão até a bola e darão o primeiro pontapé do evento.


Cronograma

Nesta primeira vinda, Saddow ministrará palestras sobre a sua área de atuação para pós-graduandos do ICMC e do campus da USP São Carlos. Além disso, os pesquisadores envolvidos no projeto visitarão as instalações do Instituto Internacional de Neurociência de Natal (RN) e da UFABC, onde os pesquisadores receberão uma assessoria no projeto da parte analógica do chip, feita pelo professor Reis Filho, uma das autoridades na área de eletrônica analógica.

Gazziro explicou como as atividades do programa serão dividas durante seus três anos de duração. Para fechar a primeira visita de trabalho do professor Saddow, um evento intitulado Workshop on Advanced Cibernetics será realizado no dia 10 de agosto. “Na primeira fase faremos uma apresentação do projeto e dos detalhes das parcerias".  

O pesquisador disse que, ainda na primeira fase, a equipe de cientistas produzirá um chip com o encapsulamento tradicional e, até o fim do projeto, será feito um modelo de chip sem fio. "Faremos o chip tradicional, com fio, só para realizar testes. A segunda fase é produzir a 'bolacha', ou seja, uma parte do conjunto de chips fabricado e, na última fase, queremos fazer um com antena e já acoplado no eletrodo”, explicou.


Exoesqueletos

Outra tecnologia que está próxima de ser utilizada em larga escala é o exoesqueleto, uma espécie de esqueleto artificial usado de forma externa pelo usuário, como se fosse uma roupa. Através do uso de metais resistentes, esses acessórios ampliam em diversas vezes a capacidade física de uma pessoa.

Segundo Gazziro, no Japão essa tecnologia já é utilizada para auxiliar o dia-a-dia de pessoas que não tem deficiência física. "O equipamento pega a informação diretamente das terminações nervosas na pele, não podendo ser utilizada em um paraplégico ou tetraplégico, pois essas informações não ultrapassam a coluna", explicou o pesquisador.

Porém, ainda de acordo com o professor, quando a solução de bio-chip estiver viável, bastará que o leitor dos sinais do chip envie os comandos captados no cérebro para que esses exoesqueletos substituam o papel do membro não-funcional.


Parcerias

Por conta do forte potencial de inovação do estudo, a IBM, multinacional americana da área de informática, demonstrou interesse pelo projeto, pois, segundo Gazziro, se o procedimento obtiver sucesso, será necessário industrializar o processo, gerando eventuais patentes sobre o produto final. “A IBM deu sinais de iniciar uma parceria, pois, se a pesquisa der certo, eles entendem que existe potencial para criação de novos processos de fabricação utilizando carbeto de silício, a fim de atender a gigantesca demanda ocasionada pela criação desses bio-chips", explicou o pesquisador.


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