Pensando no aumento da segurança, estudante criou projeto para nova arma de fogo, que só poderá ser ativada por seu proprietário. A principal novidade, no entanto, consiste em como isso será feito
Pesquisadores que se fazem de cobaia, para validar experiências, não é novidade no mundo científico. Basta lembrar-se do caso do médico britânico, Edward Jenner, que se contaminou com varíola para testar a eficácia da vacina que produziu contra a doença.
Em menores proporções, o pós-doutorando do Centro de Imagens e Espectroscopia in vivo por Ressonância Magnética (CIERMag) do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP) e docente do Instituto de Ciências Matemáticas e da Computação (ICMC/USP), Mário Gazziro, incorporou o papel de pesquisador e de "pesquisado", com o intuito de legitimar uma experiência que, se integralmente bem-sucedida, poderá diminuir, expressivamente, os números da violência no Brasil e no mundo.
Em agosto do ano passado, Mário implantou um pequeno chip em sua mão esquerda, com a ideia de criar uma maneira mais eficiente e, principalmente, segura, para utilização de uma arma de fogo. "A inspiração veio do filme de ficção científica, Distrito 9, onde alienígenas invadiam a Terra e suas armas de combate não funcionavam nas mãos dos humanos. A trama central do filme era descobrir uma maneira de poder utilizar essas armas", conta.
O projeto para criar a chamada "arma eletrônica" tomou forma quando Mário passou a trabalhar em uma empresa de consultoria que fabricava chips para animais silvestres. Já decidido a se tornar o próprio experimento, ganhou o menor chip que a empresa revendia (9mm por 1,2mm) e realizou o implante, com a ajuda de uma médica. "O chip vem dentro de um vidro, revestido por um material chamado 'parylene C', não rejeitado pelo organismo de animais e humanos. O local do implante foi escolhido, já se pensando em sua viabilidade para arma eletrônica", conta.
A ideia é, relativamente, simples e consiste no seguinte: o chip implantado conecta-se eletronicamente com uma bobina, montada no interior da arma. O chip será a única ferramenta capaz de destravar tal bobina, possibilitando o disparo imediato. Ou seja, só o portador do chip será capaz de destravá-la.
Ainda de acordo com o pós-doutorando, nos Estados Unidos, o acesso a essa tecnologia não só já existe como é, inclusive, liberado pela Food and Drug Administration (FDA), desde 2004. "Lá, a inserção do chip é feita entre o polegar e o indicador, onde há menos terminações nervosas. Em nosso caso, esse local para o implante não é válido, pois o chip ficaria muito distante da bobina da arma, não possibilitando seu destrave", explica. "No laboratório, projetamos uma bobina e, depois disso, definimos a melhor localização para o chip ser inserido, no corpo".
Além do chip, Mário e outros colaboradores, entre eles o especialista em eletrônica do IFSC, Lírio Onofre B. de Almeida, projetaram uma arma de brinquedo, do mesmo modelo de uma pistola Colt, onde, em seu interior, há espaço para inserir uma bobina e uma micro solenoide, peças fundamentais para destravar a arma, eletronicamente.
O que já foi e o que está por vir
O projeto, embora possa, em princípio, chocar e causar polêmica, visa propósitos totalmente benéficos. "Acidentes com armas de fogo e suicídios são a segunda causa de morte entre crianças e adolescentes. Só perde para traumatismos gerados por acidentes domésticos e veiculares", conta Mário, que complementa a informação garantindo que a arma eletrônica só será capaz de efetuar o disparo pelas mãos do dono legítimo.
Quanto à eficácia, depois de identificar o chip, leva-se, em média, 5 milionésimos de segundo para que todo circuito seja acionado e ela seja destravada. "Como todo circuito eletrônico, ela deverá ser carregada para funcionar. Já estudamos montar um circuito que tenha capacidade para manter o funcionamento da arma por, no mínimo, uma semana, sem recarregá-la", elucida.
Ele conta que outras questões também são estudadas, para aprimorar a segurança do novo equipamento. "O intuito final do projeto é uma arma que, no momento do disparo, já registre local, horário e autor do disparo, inclusive com orientação do tiro, informação que poderá ser fornecida se a arma possuir um giroscópio", conta.
Até o momento, parte das etapas do projeto já foi concluída e bem-sucedida: implante do chip, construção de um receptor de rádio frequência tradicional e projeção de uma bobina compatível ao projeto. "Nossa primeira dúvida era se teríamos alguma bobina capaz de fazer a leitura do chip na mão, mesmo próximo da arma. Conseguimos passar essa etapa. Depois, conseguir uma micro solenoide que coubesse na arma. Vencemos essa etapa, também".
Pelos benefícios técnicos e, sobretudo, sociais da proposta, interessados já começaram a manifestar-se. No exterior, uma publicação com detalhes do projeto foi divulgada no "European Conference of Control". No Brasil, além de alguns pesquisadores do Laboratório de Análise e Prevenção da Violência (LAPREV) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), investigadores da Polícia Civil de Minas Gerais já convidaram Mário para testes mais concretos. "No final do ano, pretendo ir à Belo Horizonte para fazer testes incluídos à parte mecânica da arma, já que a eletrônica, relacionada ao chip, já funciona perfeitamente".
Em relação à definitiva concretização do projeto, ou seja, a comercialização das armas eletrônicas, Mário conta que uma etapa pode levar algum tempo para ser ultrapassada. "A última fase envolverá a esfera política, para aprovação de um projeto de lei que autorize o uso desse tipo de arma, levando-se em conta todas as suas consequências".
É óbvio que outras questões, especialmente de cunho sociológico, deverão ser estudadas. Mas, com meio passo andado no que diz respeito à parte técnica do projeto, basta torcer pela rapidez e agilidade do restante dos processos- não menos importantes do que aquele, em princípio, idealizado e já concluído pelo pós-graduando.
Informações:
Prof. Dr. Mário Gazziro
Tel. (16) 3373-9751
yah@icmc.usp.br
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