Projeto realizado na USP, em São Carlos, mostra que aprender programação colocando a mão na massa pode trazer benefícios que vão muito além do desenvolvimento de robôs e jogos
Daniel e Renata: orgulho e alegria na selfie com o robô criado em sala de aula |
A selfie registrada pelo smartphone de Daniel Xavier, 18 anos, não deixa dúvidas do sentimento de orgulho e da alegria que compartilha com a estudante Renata Alves, 19: eles estão segurando o robô que desenvolveram em equipe ao cursar a disciplina Introdução à Programação para Engenharias, na USP, em São Carlos. O cenário da selfie é o hall da Biblioteca Achille Bassi, no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC). Ao redor dos estudantes, há muitos outros robôs. Alguns estão circulando pelo chão e, de forma autônoma, desviam de obstáculos; outros seguem linhas construídas com fita isolante nas mesas brancas e há um que atira elásticos de borracha. Mario Bros também marca presença, em miniatura, na pequena caixa de papelão onde o público mata a saudade de Genius, o famoso jogo eletrônico lançado no Brasil nos longínquos anos de 1980. Um elo une toda essa parafernália eletrônica que invade o espaço: elas foram construídas por estudantes que estão no primeiro ano da Universidade usando a plataforma Arduino.
Fazer esses alunos colocarem a mão na massa valeu muito a pena, na opinião da professora Kalinka Castelo Branco, do ICMC: “Eles se sentiram motivados porque puderam realmente entender o funcionamento da lógica de programação e a necessidade e aplicabilidade da disciplina na vida real, em situações que eles certamente terão que enfrentar na vida profissional”. Para ela, foi essa motivação adicional que os levou a investir mais tempo no aprendizado da disciplina, a qual passou a ser menos abstrata. O resultado a professora conseguiu ver refletido no aumento das notas dos estudantes, que estão cursando o primeiro ano do curso de Engenharia Mecatrônica, oferecido pela Escola de Engenharia de São Carlos (EESC): “Antes, a média ficava entre 4,7 e 5,7. Este ano, chegou a 6,8”.
Motivação refletiu no aumento das médias da turma |
A motivação dos alunos ao desenvolver os projetos promete resultar em benefícios que se estenderão para além da disciplina. “Dá mais ânimo no curso. Você passa a se empenhar um pouco mais nas outras matérias, mesmo que elas não sejam tão legais porque sabe que vai precisar delas”, conta Daniel. “É uma atividade que se aproxima mais do nosso trabalho, do que a gente vai fazer depois da faculdade. Então, é muito legal para nos motivar a continuar no curso”, diz Renata. “Eu nunca pensei que a gente ia chegar e fazer isso no primeiro ano. Nunca tive contato com eletrônica e computação”, afirma Leandro Silva, 17 anos. A cada aula prática, ele aprendia uma parte do processo: “A gente fazia sem pensar que era um sacrifício. Para mim, foi uma experiência incrível, faria tudo de novo”.
Não foram poucos os desafios que eles precisaram enfrentar. “A gente ficou várias noites e vários dias tentando fazer e dava errado”, revela Daniel. Na opinião dele e de Renata, o maior obstáculo foi conciliar o software com o hardware. No computador, tudo funcionava bem, mas na hora do robô executar, nada acontecia conforme planejado: “Precisávamos continuar tentando, até resolver. Quando dava certo, a gente comemorava. Ver funcionando é a melhor parte!”
Para o grupo de estudantes que trabalhou com Leandro na construção do jogo Genius em homenagem a Mario Bros, o principal desafio foi transformar a música em um código e construir a lógica do jogo, articulando os momentos de acender e apagar as luzes LED com as músicas que deveriam ser tocadas. “Se o jogador erra a sequência, toca um tipo de música; se ele passa para a próxima fase, temos outra música. É complicadinho, mas pelo Mario Bros, a gente tentou, tentou, até conseguir”, explica Leandro.
Plataforma para aprendizado – Não foi por acaso que a professora Kalinka escolheu o microprocessador Arduino como plataforma para os estudantes desenvolverem os dois trabalhos que propôs para a disciplina: um jogo Genius e um robô. Por se tratar de uma ferramenta aberta, livre e de baixo custo para a criação de projetos de hardware e software, o Arduino permite aos estudantes conectar, de forma descomplicada, o mundo teórico da computação a dispositivos físicos. Isso acontece porque, depois de “sentir” o ambiente por meio de sensores variados (entradas) e processar esses dados via programas inteligentes, os estudantes podem programar a ferramenta para afetar seu entorno, controlar e agir sobre o ambiente. Essa ação pode ser realizada por meio de motores e atuadores que possibilitam, por exemplo, ligar ou desligar luzes, movimentar câmeras e outros componentes, etc. Além disso, esse microprocessador interage facilmente com os computadores, independentemente do sistema operacional empregado (Windows, Linux ou Mac). Ou seja, a grande vantagem é que não é preciso ser um especialista para desenvolver um projeto usando Arduino. Foi por isso que a escolha se encaixou como uma luva para a turma que está no primeiro ano da Universidade.
Há sete anos, Kalinka ministra a disciplina Introdução à Programação para Engenharias na USP em São Carlos. “Quando era só teoria, ficava tudo muito abstrato, os alunos viam só o software e logo se desmotivavam. Muitos não faziam os trabalhos solicitados e os que entregavam deixavam muito a desejar”, lembra a professora. Então, há três anos, surgiu a oportunidade de apresentar uma proposta para o Programa Pró-Inovação no Ensino Prático de Graduação (Pró-Inovalab) da USP. A professora redigiu o projeto Pró-InovaLab - Uma abordagem inovadora para o desenvolvimento de sistemas embarcados críticos, selecionado durante a uma das edições do Programa. Os recursos recebidos possibilitaram adquirir os microprocessadores e demais materiais necessários para tirar a ideia do papel. Como no ano passado a professora foi aprimorar seus conhecimentos na Universidade de Sidney, na Austrália, a proposta foi colocada em prática este ano. “É uma ideia que pode ser aplicada a outras disciplinas”, destaca Kalinka.
Junho vermelho: lançando elásticos de borracha |
“A proposta foi realmente excepcional para estimular não só os alunos, mas também os professores”, diz Maíra da Silva, que é coordenadora do curso de Engenharia Mecatrônica. Ela explica que um dos desafios da coordenação é mobilizar os professores para que transformem uma parcela significativa da carga horária de 4,4 mil horas que compõe o curso em projetos práticos: “No momento, estamos analisando núcleos de disciplinas para identificar projetos em comum”. Maíra reforça que o aprendizado baseado em projetos multidisciplinares está em destaque nas novas diretrizes para a estrutura curricular dos cursos de graduação da EESC.
Segundo a coordenadora, o projeto prático realizado pelos estudantes na aula da professora Kalinka contribui para que eles enxerguem a importância de estudar os três campos do conhecimento fundamentais para a mecatrônica: a mecânica, a eletrônica e a programação. Ao construir um simples robô, eles percebem que, para controlar o Arduino, é preciso entender as estruturas dos algoritmos – sequências de regras que são criadas para resolver uma tarefa. Por outro lado, para decidir qual motor colocar, é necessário ter conhecimentos de mecânica. Mas não é possível acionar os motores sem a eletrônica. “Com um projeto no início do curso, o aluno consegue ter uma visão muito mais aplicada do por que está estudando aquelas teorias”, diz Maíra.
Controle de Junho vermelho com seus seis botões |
Quando Gustavo Stefano, 19 anos, começa a explicar como funciona Junho vermelho, o robô que seu grupo criou, fica nítido o quanto compreendeu a estreita relação que une mecânica, eletrônica e programação. Para que o robô comece o combate e dispare elásticos de borracha, é preciso acioná-lo por meio de um controle, composto por um microcontrolador e um transmissor de rádio. No controle, há seis botões: quatro para movimentar o robô para frente, para trás, para a direita e para a esquerda; um para disparar a borrachinha; outro que é um potenciômetro e vai determinar a angulação do mecanismo de disparo: “Mas não podemos alimentar o motor de disparo direto do Arduino, porque ele vai queimar se puxarmos muita corrente elétrica. Então, inserimos reguladores de tensão e um transistor. O Arduino aciona o transistor, que, por sua vez, vai acionar o disparo do canhão”.
Em meio a tantos projetos interessantes, os olhos de Marina Rodero, 16 anos, brilham. Seu sonho é estudar no ICMC. “Eu sempre gostei muito de exatas, adoro matemática e comecei a me interessar por programação”, conta a estudante, que está no segundo ano do ensino médio e participa do projeto Codifique. A curiosidade de Marina vem acompanhada pela curiosidade do pai, Adalberto Rodero, que também veio à mostra que acontece no hall da Biblioteca na tarde desta quarta-feira, 15 de junho. Ele trabalha na área de manutenção de aeronaves e, recentemente, resolveu comprar um microprocessador Arduino. O passeio contribuiu para multiplicar suas ideias para futuros projetos. Uma prova de que iniciativas como a da professora Kalinka podem estimular não só quem já frequenta as salas de aula da USP.
Adalberto e Marina: mostra motivou pai e filha |
Confira o álbum de fotos no Flickr: icmc.usp.br/e/3ea79