Cerca de 1,4 mil pessoas participaram de divertidos bate-papos científicos durante as três noites do festival que chegou a sua terceira edição no município
"Socorro: fui hackeado e o drone sumiu" foi o título da bate-papo coordenado pela professora Kalinka durante a última noite do Pint of Science em São Carlos (crédito: Henrique Fontes) |
É quarta-feira, 17 de maio, e as cerca de 100 pessoas que lotam um bar no centro da cidade de São Carlos, interior de São Paulo, estão correndo o risco de ter seus celulares hackeados. O sorriso no rosto e os olhares tranquilos de quem está no local não condizem com o que fizeram momentos antes: autorizaram essa invasão em seus aparelhos. Parece loucura, mas todos ficaram vulneráveis ao conectarem os telefones em uma rede de internet aberta sem ler o termo de compromisso.
Essa experiência foi realizada durante um bate-papo sobre segurança virtual, no festival de divulgação científica Pint of Science, em São Carlos, um dos 22 municípios brasileiros que participaram da iniciativa juntamente com cidades espalhadas por outros 10 países. Antes dos clientes chegarem ao bar para o evento, a professora Kalinka Castelo Branco, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, disponibilizou uma rede Wi-Fi livre para os participantes. Porém, entre as condições para utilizá-la, estava a concordância com um termo em que os usuários permitiam que os smartphones conectados fossem invadidos, além de autorizar que um drone sobrevoasse suas cabeça.
No final do evento, ao revelar o conteúdo do termo ao público, ficou evidente que ninguém havia lido as informações antes de clicar na caixa “aceito” e se conectar. Para exemplificar o que poderia acontecer com aquelas pessoas, um dos estudantes orientados por Kalinka hackeou o celular da professora e exibiu no telão as imagens que a câmera do aparelho captava. “Fizemos isso para mostrar como estamos vulneráveis no mundo virtual e como podemos nos prevenir de possíveis crimes”, diz Kalinka.
No bate-papo, os convidados puderam falar um pouco sobre as pesquisas que estão sendo desenvolvidas para ajudar a proteger a população dos hackers. “É muito importante a sociedade ter a oportunidade de debater esse tema que, muitas vezes, passa por questões morais e éticas envolvendo a tecnologia”, afirma Natássya da Silva, doutoranda do ICMC e uma das participantes do debate.
Aquela noite foi a primeira vez que a estudante teve a oportunidade de falar com o público num lugar descontraído, fora da universidade: “É mais tranquilo do que eu imaginava, o pessoal participou e deixou a gente à vontade para contar as novidades que acontecem no nosso mundo”. Além de Natássya, participaram da conversa o advogado Guilherme Guimarães, que falou um pouco sobre os diferentes tipos de crimes virtuais, e o estudante Marcelo da Silva, que faz Ciências de Computação no ICMC.
Recorde de público: 1,4 mil pessoas participaram da iniciativa em São Carlos; nas 22 cidades do país, o festival alcançou cerca de 20 mil brasileiros (crédito: Rogério Gianlorenzo) |
Mergulhando no mundo dos vidros – “Ele brilha, tem de todas as cores, é transparente, é lindo!”, enfatiza o professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Edgar Zanotto, após sua apresentação sobre a importância e as curiosidades do universo vítreo, realizada no dia 16 de maio em outro restaurante da cidade. Coordenador do Centro de Pesquisa, Educação e Inovação em Vidros (CeRTEV), ele conta que, se não fosse o material, não existiriam telescópios, microscópios, celulares, óculos, entre outros objetos. Não haveria nem mesmo o projeto Sons Vítreos, criado pelo Núcleo Ouroboros de Divulgação Científica da UFSCar. No projeto, os participantes utilizam diversos instrumentos feitos do material milenar em suas apresentações. No Pint of Science, eles empolgaram o público ao encerrar a noite com seus sons singulares.
Para Zanotto, vidros podem ser sólidos ou líquidos, depende do ponto de vista do observador (crédito: Paulo Arias) |
De acordo com Zanotto, apesar de existir uma infinidade de utilidades já conhecidas para o vidro, ainda há muito a ser explorado. Atualmente, são contabilizados cerca de 400 mil tipos de vidros no mundo, porém, segundo o especialista, é possível produzir outros 1052 modelos do material: “É um campo da ciência com seis mil anos de história, mas que ainda está na infância e existem poucas pessoas no mundo pesquisando o assunto”.
Ao estrear no Pint of Science, Zanotto confessou à plateia: “Já dei muitas palestras no Brasil e no mundo. Mas nunca falei em um bar”. Logo depois de passar por essa primeira experiência, ele aprovou a proposta. “O desconhecimento da sociedade pela ciência é enorme. Pergunte a qualquer pessoa o nome de um jogador de futebol. A resposta, provavelmente, irá variar entre 10 e 50 atletas. Agora, se você pedir o nome de um cientista, dificilmente lembrarão de um pesquisador brasileiro”, lamenta o docente. Também estiveram na mesa sobre vidros a professora Andrea Bernardez, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), e a professora Ana Candida Rodrigues, da UFSCar.
Projeto Sons Vítreos finalizou o bate-papo sobre a era do vidro (crédito: Paulo Arias) |
Levando o Brasil à Lua – Outro bate-papo que mobilizou o público em São Carlos abordou a Missão Garatéa, a primeira missão lunar brasileira que promete levar uma sonda à Lua até 2021 para estudar a vida fora da Terra. Bactérias serão enviadas ao espaço para que os cientistas analisem possíveis alterações genéticas que um ser vivo pode sofrer após um período em órbita no nosso satélite natural. Os desafios das pesquisas nessa área foram discutidos pelo engenheiro espacial Lucas Fonseca, o jornalista Salvador Nogueira, o mestre em filosofia Alexey Dodsworth e o astrobiólogo Douglas Galante.
Entre as pessoas que acompanharam a apresentação, que aconteceu na noite de 15 de maio, estava Duília de Mello, astrofísica e colaborada da NASA há 14 anos. Apaixonada por astronomia, a cientista exaltou o trabalho dos pesquisadores em levar o conhecimento às pessoas: “A ciência é responsável pela evolução da humanidade e conseguir transmiti-la é um dom. Quem não tem esse perfil, seria interessante que tentasse melhorar nesse aspecto e pensar em novos caminhos para divulgá-la. Isso é importante para motivar os jovens e as crianças, que são quem irão carregar o fascínio pela ciência”.
Também fizeram parte do menu do Pint of Science em São Carlos temas como estatística no esporte (saiba mais), tecnologia no campo (saiba mais), novos medicamentos, depressão, ansiedade, autismo, hiperatividade, sustentabilidade, além de problemas matemáticos de um milhão de dólares.
O futuro da humanidade no espaço foi um dos temas na abertura do evento (crédito: Paulo Arias) |
Meu aspirador pensa – Para falar sobre a revolução das máquinas, o professor Fernando Osório, do ICMC, percorreu os cerca de 100 quilômetros que separam São Carlos de Ribeirão Preto. Lá, um dos assuntos que mobilizou o público durante o Pint of Science, na noite do dia 16 de maio, foi: “Meu aspirador pensa?”.
Osório brincou com a plateia lançando questões instigantes: “Vocês têm ideia de quantos celulares já jogaram no lixo? E se todos esses aparelhos se revoltassem e viessem atrás de vocês?”. Ele conhece bem a dinâmica do evento, participou das duas edições anteriores do Pint of Science em São Carlos. “Para mim, é sempre um grande prazer interagir com as pessoas. É muito importante sair da zona de conforto ao expor e discutir ideias com um público diferente do que encontramos nas universidades”, afirma o pesquisador.
O ambiente descontraído proporcionado pelo festival é o que mais encanta Osório: “Quando saímos da classe, não pensamos mais em provas, notas e avaliações. O fato de quebrar o padrão formal de uma sala de aula, colocando todos juntos em um bate-papo animado e com as perguntas mais variadas, é o que faz o Pint of Science tão especial”.
O ambiente descontraído proporcionado pelo festival é o que mais encanta Osório (crédito: equipe Pint of Science Ribeirão Preto) |
Divulgar a ciência é preciso – Cerca de 20 mil pessoas participaram do festival de divulgação científica este ano nas 22 cidades brasileiras que realizaram a iniciativa nas noites de 15, 16 e 17 de maio. “O sucesso do festival em todo o país mostra que a população quer, de fato, saber sobre ciência e que os cientistas querem falar com a sociedade. Bastava ser criado um canal para isso, tal como o Pint of Science fez”, afirma Natalia Pasternak, coordenadora nacional do festival.
“O Pint of Science é uma excelente oportunidade de aprendizado para os cientistas por desafiá-los a traduzirem a ciência em uma linguagem simples e acessível para todos”, explica Denise Casatti, coordenadora do evento em São Carlos. “Os cientistas estão acostumado a falar para seus pares, que já conhecem o jargão técnico e os conceitos básicos de sua linha de pesquisa. Mas falar em um bar para o cidadão comum não é fácil, especialmente porque é preciso disputar a atenção com o barulho do liquidificador e com todas as demais distrações típicas desse ambiente”.
Para Natalia, o festival também serve de motivação para que o cientista olhe para seus projetos com outros olhos, instigando-o a imaginar como a sociedade enxerga sua pesquisa, que dúvidas teria e a importância do que faz. Para ela, o caminho para estabelecer a cultura científica da população é encontrar novos meios de divulgar a ciência: “Precisamos criar mais canais, em formatos diferentes, que atinjam públicos diversos, durante o ano todo. Falar de ciência é necessário e divertido”.
Para realizar o festival, uma rede de voluntários foi mobilizada, unindo profissionais de diferentes áreas do conhecimento e de diversas instituições de ensino e pesquisa, que estão buscando aprimorar a iniciativa a cada ano. Na capital da tecnologia, o evento foi realizado pelo ICMC e contou com a colaboração da Embrapa, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da regional do interior paulista da Sociedade Brasileira de Química.
Em âmbito nacional, o festival foi patrocinado pela Pró-Reitoria de Pesquisa da USP, Verakis, e por cinco Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão, financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo: o Centro de Pesquisa em Engenharia e Ciências Computacionais; o Centro de Pesquisa e Inovação em Biodiversidade e Fármacos; o Centro de Pesquisa, Educação e Inovação em Vidros; o Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades; e o Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI).
Para Natalia, festival contribui para mostrar que falar de ciência é necessário e divertido (crédito: Henrique Fontes) |
Texto: Henrique Fontes – Assessoria de comunicação do Pint of Science Brasil
Mais informações
Site do festival: www.pintofscience.com.br
Confira o vídeo com a íntegra do bate-papo “Esporte e estatística: uma parceria que dá jogo”: icmc.usp.br/e/26c71
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