O reitor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Marcelo Turine, fez mestrado e doutorado no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da USP, em São Carlos: “foram seis anos de aprendizagem e enriquecimento científico”
O ex-aluno do ICMC Marcelo Turine durante a cerimônia de posse como reitor da UFMS |
No dia em que completou 46 anos, 8 de novembro de 2016, Marcelo Turine se tornou o reitor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS). Naquele momento, sentiu uma mistura de emoção, responsabilidade e amor à vida. Quando iniciou a trajetória como professor na UFMS, em 2002, ele não imaginava que um dia se tornaria reitor da Instituição, mas sonhava levar a educação, a ciência, a tecnologia e a inovação do Estado de Mato Grosso do Sul ao patamar de referência nacional e internacional.
Na entrevista a seguir, ele revela, entre outras coisas, como a formação que obteve no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, contribuiu para que ele se tornasse o que é hoje.
Gostaria de compreender melhor os motivos que o levaram a fazer seu mestrado no ICMC. O senhor já conhecia o Instituto antes de estudar aqui? Lembra-se do primeiro dia em que esteve no Iocal? Quais foram as primeiras impressões?
Finalizei a minha graduação em Bacharelado em Ciência da Computação na Unesp/Ibilce em São José do Rio Preto/SP e meu sonho era continuar a vida acadêmica, ser professor, educador e cientista. Com 21 anos, eu e dois amigos, Marcus Vinicius Maltempi e Ricardo Hasegawa, decidimos fazer mestrado no ICMC em São Carlos. Como diz a música de Luiz Gonzaga “Pau de Arara”, só trazia a coragem e a cara. Nunca tinha visitado o Instituto, não conhecia nenhum professor ou a cidade de São Carlos. Cheguei em janeiro de 1992 e já fomos fazer a disciplina de Estrutura de Dados com a professora Agma Traina. Fui muito bem acolhido pela equipe da pós-graduação e colegas da disciplina e senti o potencial do Instituto nos primeiros dias: competência científica, seriedade acadêmica e qualidade do corpo docente. Entrei no mestrado logo após cursar a disciplina e conversei com vários professores para orientação. Importante destacar que as bolsas de mestrado não eram fáceis de conseguir. Somente depois de um ano que tive bolsa da Capes, um alívio e uma vitória.
Em que momento o senhor decidiu seguir carreira acadêmica e prosseguir seus estudos no mestrado, doutorado e pós-doutorado? Essa decisão foi tomada ainda quando estava na graduação?
É estranho falar sobre a programação da nossa vida. Como disse antes, já na graduação pensava em seguir a carreira acadêmica, ser professor de uma universidade pública brasileira, casar, ter filhos e ser feliz, um ingrediente essencial para a vida. O ICMC foi uma grande escola e casa cientifica para mim. Foram seis anos de aprendizagem e enriquecimento científico. Construí muitas amizades, amigos de que tenho saudades até hoje. Alguns ainda estão por São Carlos, outros se mudaram e outros já não estão no nosso meio. Não posso deixar de me lembrar do meu grande amigo, colega de república e professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Mauro Biajiz, que nos deixou tão precocemente.
Como conheceu sua orientadora no mestrado, a professora Maria das Graças Volpe Nunes? Ela foi uma pessoa importante em sua jornada?
A professora Graça Nunes é uma pessoa especial e muita querida na minha vida. Me ensinou os primeiros passos de um planejamento científico, até como fazer revisão bibliográfica. Um exemplo de ética e respeito, que além de ensinar tratava com amor seus orientados. Obrigado Graça Nunes, sua orientação me acompanha ainda hoje na minha vida científica e de gestão universitária. Uma orientadora que realmente nos orientou e de início aceitou o desafio de orientar um grupo da UNESP de Rio Preto: a mim, Marcus Vinicius, Ricardo Hasegawa e Rosana Satie. Eu queria fazer um projeto na área de computação aplicada para educação e na área de Sistemas Tutores Inteligentes. Iniciei minha pesquisa com a orientação da Graça Nunes e coorientação da professora Maria Dolores Ceccato Mendes, da Matemática, e, em 1994, defendi o trabalho TEGRAM – Um sistema Tutor Inteligente Baseado no Tangram para Ensinar Conceitos de Geometria. Não posso deixar de agradecer aqui toda equipe do Núcleo Interinstitucional de Linguística Computacional (NILC), do qual fiz parte desde o seu início em 1993, em especial Graça Nunes, meu querido amigo Osvaldo Novais de Oliveira Junior (Chu), Sandra Aluísio e Maria Cristina Ferreira de Oliveira.
O professor Paulo César Masiero, que também é professor aposentado do ICMC, foi seu orientador durante o doutorado no Instituto de Física da USP, em São Carlos. Ele também foi uma pessoa marcante na sua trajetória?
Sim, o Masiero é meu ídolo, referência na Engenharia de Software e amigo. Ainda não desisti de trazê-lo para Mato Grosso do Sul como professor visitante sênior na Faculdade de Computação da UFMS. Em 1994 não tinha doutorado no ICMC e todos o faziam no Instituto de Física. Eu queria continuar minha carreira científica e procurei o professor Masiero, que disse ter um desafio de trabalhar com modelagem de aplicações web com Statecharts. A Engenharia de Software não era minha praia, mas aceitei o desafio sob sua orientação. Como coorientadora tive novamente uma grande mulher e professora na minha vida, a professora Maria Cristina Ferreira de Oliveira, a Cris, com quem aprendi muitas coisas além dos ensinamentos acadêmicos: amor ao próximo, o sentido da família e muita humildade. Obrigado Graça Nunes, Cris e Masiero, vocês são exemplos para mim e amo vocês. Concluído o mestrado, fui aprovado no doutorado, realizado no período de 1994 a 1998. O doutorado foi muito bem planejado e organizado pelos meus orientadores: o respeito ao tema científico e prazos de conclusão foram, como deve ser, respeitados, ante a existência de investimento público.
De que forma a formação obtida no ICMC, as pessoas que conheceu e as oportunidades que surgiram aqui mudaram sua visão de mundo e o ajudaram a se tornar o que é hoje? Houve algum momento em que pensou em desistir?
A pesquisa desenvolvida no ICMC mostra a importância dos resultados decorrentes do emprego de recursos públicos, buscando qualidade e efetividade, dentro de um critério de valorização do mérito e num contexto humanizado. Essa visão formatou minha conduta profissional ao demonstrar que a frutificação da competência está intimamente ligada ao respeito às características humanas, sobretudo nas áreas da educação, pesquisa, extensão e inovação. As pessoas que conheci e as com que trabalhei mais proximamente, algumas já mencionadas, e outras tantas que fizeram parte importante da minha formação, se enquadravam dentro desse contexto. O tratamento dispensado ao aluno demonstrava sua importância e potencial, o que trago para a gestão da UFMS. Eu jamais pensaria em desistir, pois otimismo, fé e persistência são partes da minha essência.
Quais são os principais desafios que o senhor enfrenta atualmente em sua gestão frente à UFMS? Estudar no ICMC contribuiu de forma significativa para enfrentar esses desafios de hoje?
Assumi a gestão da UFMS em um momento político em que mudanças estão sendo realizadas, inclusive em relação à destinação e redução de recursos públicos, o que faz com que a forma de gestão tenha que ser modificada. Para assumir a reitoria da UFMS deixei os seis anos de presidência da FUNDECT (Fundação de Amparo ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul), fundação como a FAPESP, autarquia em que os recursos são escassos e o bom resultado depende de muita racionalidade, mas que tem uma estrutura reduzida. O desafio é usar criatividade na gestão e motivação, para que o uso dos recursos disponíveis possam promover o desenvolvimento e a expansão do conhecimento, alavancando a UFMS nos cenários nacional e internacional. O ICMC já tinha essa característica ao tempo de minha pós-graduação, experiência que pretendo expandir na UFMS.
O título da sua dissertação – TEGRAM – Um sistema Tutor Inteligente Baseado no Tangram para Ensinar Conceitos de Geometria – já indica que o senhor se preocupava com a formação dos professores para a educação básica. Em seu discurso de posse como Reitor, o senhor destacou que essa é uma responsabilidade fundamental da UFMS. Em sua opinião, de que forma os professores universitários podem contribuir para transformar o atual cenário da educação básica no Brasil?
Os professores universitários são os formadores dos profissionais que atuam ou atuarão na educação básica. Os profissionais a serem formados deverão estar aptos a promover nas nossas crianças o desenvolvimento de habilidades como comunicação na língua pátria e potenciais cognitivos, artísticos, culturais, esportivos, lógicos e matemáticos. O ensino deve contribuir para o desenvolvimento na criança e no adolescente de aptidão para análise crítica, sem implantação prematura de contornos ideológicos que ofusquem sua capacidade de pensar e agir livremente. Os valores humanos a serem transmitidos na educação básica devem ser agregadores, dentro de um projeto de harmonia nacional. Tudo isso começa na Universidade.
Durante a posse, o senhor também afirmou que é um apaixonado pelo papel da educação, da ciência, da tecnologia e da inovação como pilares para o desenvolvimento do Brasil e do Mato Grosso do Sul. Como o senhor pretende, durante sua gestão, estimular esse papel transformador da Universidade, o qual o motivou a ser reitor?
Para auxiliar nossos professores e cientistas nos novos desafios de pesquisa, será criada uma agência de desenvolvimento e inovação. É nosso papel institucional criar um ambiente motivador, inovador, empreendedor e com responsabilidade social e ambiental nas atividades de ensino, pesquisa, extensão e inovação, formando profissionais cidadãos prontos para auxiliar na resolução dos problemas de nossa sociedade e para que sintam a UFMS como um bom lugar para estudar, pesquisar e trabalhar. A mudança de paradigma na gestão universitária exige do corpo diretivo a abertura ao diálogo construtivo e permanente, a pavimentação de diretrizes e planos operacionais eficientes e eficazes e a transparência de todas as ações, bem como o respeito à diversidade. Pretendo ter uma gestão pautada no diálogo, na descentralização, na transparência e na governança pública com eficiência, bem como incentivar a criatividade, a ciência, a tecnologia, a inovação, a internacionalização e a comunicação, como alicerces para mudanças na prática acadêmica e na gestão administrativa.
Quer deixar alguma mensagem especial para os leitores?
Sou casado há vinte anos com uma mulher maravilhosa, desde 1996, e tenho três filhos queridos (Dhara, de 13 anos, Iago, com 7, e Davi, com 6). Olhando meus sonhos, posso dizer que Deus já me deu tudo que sonhava. Novos desafios profissionais surgem: ser reitor de uma das 63 universidades federais do Brasil e da maior universidade de Mato Grosso do Sul é um orgulho. Nunca sonhei ser reitor da UFMS, mas sonhava levar a educação, ciência, tecnologia e inovação do Estado de Mato Grosso do Sul ao patamar de referência nacional e internacional. A educação a serviço das políticas públicas. E agora tenho esse desafio e com trabalho em equipe e dedicação vamos percorrer o caminho necessário para tal finalidade.
Quero encerrar dizendo que tenho saudades da vida de estudante de mestrado e doutorado. Os dias passam e o importante são as amizades que conquistamos. Penso que devemos viver o presente, pensar o futuro e aprender com o passado. Nesse contexto, o ICMC fez parte da minha vida e ajudou a moldar o que sou. Por isso, agradeço a todos que comigo conviveram e que não conseguiria nominar, desde o responsável pela manutenção da ordem e limpeza do local que criavam, assim, condições para o desenvolvimento das habilidades intelectuais no Instituto, os profissionais da secretaria que tanto nos auxiliavam, até os orientadores, responsáveis pela formação intelectual dos estudantes.
Por fim, reforço para nossos jovens estudantes que não podemos deixar de sonhar. Nossos sonhos são a força espiritual que deve nos mover e nos unir aos nobres objetivos da sublime missão das universidades brasileiras: ensinar para a formação integral do cidadão, pesquisar para abrir novos horizontes do conhecimento e buscar todas as oportunidades para conversão do conhecimento em geração de riqueza e da tão carente geração de emprego para a massa de jovens que buscam na universidade pública brasileira a possibilidade de ascensão social.
Para Turine, ser reitor de uma das 63 universidades federais do Brasil e da maior universidade de Mato Grosso do Sul é um orgulho |
Texto: Denise Casatti - Assessoria de Comunicação do ICMC/USP
Fotos: Divulgação UFMS
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