O boom das startups na capital da tecnologia pode indicar a transformação no eixo de desenvolvimento tecnológico de São Carlos, resta saber se essas iniciativas terão fôlego no longo prazo e o quanto as universidades e instituições podem contribuir para a evolução desse cenário
Por: Denise Casatti
Eles geram riqueza a partir do conhecimento e criam seus próprios empregos. Nessas mãos empreendedoras mora uma ideia persistente: fazer um negócio dar certo, lançando produtos inovadores a partir do uso da tecnologia. As iniciativas que eles criam estão, cada vez mais, chamando a atenção do mercado, dos investidores, dos veículos de comunicação, construindo um cenário efervescente que já se espalhou pelo mundo e pelo Brasil, estimuladas por instituições e programas de apoio e aceleração.
Chamadas de startups, essas iniciativas também invadiram a capital da tecnologia, São Carlos, a 230 quilômetros da capital do Estado de São Paulo, multiplicando as possibilidades de emprego para quem está na graduação e na pós-graduação, em especial atuando em áreas ligadas às áreas de computação e sistemas de informação. “No Brasil, quando falamos de startups, alguns nomes vêm à cabeça: São Paulo, naturalmente, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Recife. Excluindo-se essas capitais, quando olhamos para o interior do país, apenas duas cidades chamam a atenção de fato: Campinas e São Carlos”, assegura o empreendedor Thiago Christof, que criou um mapa colaborativo da cidade especialmente para conectar os agentes desse movimento por meio do website capitaldatecnologia.com.br.
“A cidade está se redescobrindo, é uma revolução que vem acontecendo há cerca de três anos. Os talentos que estão estudando hoje aqui entendem que podem permanecer por aqui. Também tem muita gente voltando para cá”, explica Christof, um dos cofundadores da startup Cidadera (www.cidadera.com), cuja intenção é mapear, de maneira colaborativa, os problemas urbanos das cidades. Os outros cofundadores da startup são Victor Stabile, ex-aluno da UFSCar, e Carlos Fialho, aluno do curso de Ciências de Computação do ICMC.
Fialho é apenas um entre tantos outros alunos e ex-alunos do Instituto que se movem no ritmo acelerado das startups, destacando-se no cenário efervescente das empresas nascentes de tecnologia de São Carlos. Vale destacar pelo menos uma dezena dessas startups cujos fundadores têm em comum o convívio nas salas de aula do ICMC (veja o quadro).
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Transformação evidente – É nos últimos cinco anos que esse ritmo frenético do empreendedorismo tem se espalhado pelo ICMC e por São Carlos. Antes disso, o cenário era outro. Volte ao tempo, especificamente a 1997, e olhe para uma sala do ICMC, onde está acontecendo uma das aulas da disciplina optativa Empreendedores em Informática, incluída naquele ano na grade curricular dos alunos do curso de Ciências de Computação. Entre na sala e perceba que os professores estão tentando, sem sucesso, despertar nos estudantes a capacidade empreendedora, mas o mercado atrai mais: “O aluno chegava à sala de aula muito preocupado em melhorar o currículo dele. Quando falávamos sobre liderança, ele se interessava pelo assunto simplesmente porque queria atuar bem na dinâmica de grupo e ser selecionado por uma empresa”, relembra a professora Solange Rezende.
Faça o mesmo exercício em 2014: o resultado será completamente diferente. “Agora o aluno está mais interessado em explorar essa possibilidade de criar uma empresa”, conta o professor André de Carvalho, que, junto com Rezende, foi um dos responsáveis por implantar a disciplina Empreendedores em Informática no ICMC. Hoje, a disciplina passou a ser chamada simplesmente de Empreendedorismo e ganhou ramificações em duas outras optativas: Projeto Empreendedor I e II. Essas disciplinas são oferecidas nos três cursos de graduação do ICMC da área de computação: Ciência de Computação, Sistemas de Informação e Engenharia de Computação. Porém, no caso de Sistemas de Informação, é disciplina obrigatória; já em Engenharia de Computação, o tema também marca presença no currículo obrigatório junto à disciplina Administração e Empreendedorismo. Há, ainda, no curso de Sistemas de Informação a possibilidade dos alunos realizarem um estágio empreendedor no final do curso. Nesse caso, o aluno deve ser sócio efetivo na empresa em que estagia.
Solange e André: pioneirismo na implantação da disciplina de empreendedorismo |
Na opinião dos professores, uma série de fatores contribuiu para que ocorresse essa mudança no perfil dos alunos que hoje frequentam as salas de aula do ICMC em comparação àqueles que as frequentavam em 1997. Houve a criação de incubadoras, agências de inovação, programas de estímulo. Há oportunidades novas para obtenção de investimento, além de questões inerentes ao próprio desenvolvimento da área de computação no mundo. “Um marco que podemos citar é a criação do Facebook. A divulgação daquele mundo que apareceu em uma garagem, por meio de um grupo de pessoas, com investimento baixo, e no qual havia um brasileiro envolvido, contribuiu para despertar nas pessoas a possibilidade de fazer alguma coisa rentável com baixo investimento. E o melhor: uma oportunidade para os computeiros trabalharem da forma despojada como eles gostam: de bermuda e chinelo”, aponta Rezende. “Antes, só existia a figura do Anjo, em que uma única pessoa colocava dinheiro na startup. Agora, você pode encontrar, na própria web, redes de financiadores, é o que chamamos de crowfunding, em que várias pessoas investem um pouco e, assim, é possível alavancar os recursos necessários para fazer a empresa funcionar”, acrescenta Carvalho.
Os fundos de investimento e o capital de risco também estão de olho nas startups, assim como as aceleradoras, que investem nas empresas emergentes com objetivo de ter participação nos resultados quando o empreendimento começar a dar lucro. No caso das aceleradoras, é comum que exista um acompanhamento do dia a dia da startup, oferendo orientações sobre gestão, finanças e marketing para que a empresa possa crescer mais rapidamente.
A experiência de passar por esse processo dentro de uma aceleradora está sendo vivenciada pelo aluno do ICMC Lucas Lobosque, co-fundador da Freta.lá. A startup foi selecionada para participar do Startups and Entrepreneurship Ecosystem Development (SEED), um programa do estado de Minas Gerais que tem a finalidade de incentivar esse ecossistema. “Sem dúvida, nosso maior desafio foi entrar no SEED. Fomos selecionados entre 1.367 inscritos, ficando entre 40 melhores”, comemora Lobosque.
Para participar do processo, a equipe da Freta.lá precisou preencher um formulário extenso sobre a empresa, formulários individuais para cada um dos três fundadores – onde se incluem também Bruno de Melo, aluno da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC), e Thiago Paes – além de um vídeo. Durante a seleção, o critério que tem maior peso é a equipe (60%). O projeto (40%) fica em segundo plano.
Desde janeiro, os três sócios do Freta.lá estão em Belo Horizonte e por lá permanecem até julho, participando de reuniões semanais com os agentes do SEED. Cada agente cuida de 10 startups e acompanha o progresso de cada uma, que poderá receber de R$ 78 mil a R$ 80 mil para investir em seu projeto (dependendo do número de fundadores). “Talvez mais importante que o dinheiro seja o networking. Você conhece muita gente interessante, do mundo inteiro. São contatos que vão nos ajudar bastante em nossas carreiras, independentemente de prosseguirmos no caminho do empreendedorismo ou não”, conta Lobosque.
Quando ingressou em Ciências de Computação no ICMC, Lobosque não sabia que se tornaria um empreendedor. Essa era uma possibilidade tal como trabalhar em uma grande empresa ou seguir carreira acadêmica. Depois que passou a entender melhor como o funcionava o mercado e notou que um desenvolvedor de software não era valorizado, decidiu seguir por outro caminho: criou sua primeira startup, voltada a desenvolver um sistema para informatizar academias de ginástica, tendo como sócio Melo. “Foi um fracasso total, a gente nem tentou lançar no mercado”, revela. No entanto, foi esse negócio malsucedido que impulsionou os sócios a buscarem o aprendizado necessário. Lobosque seguiu assim para os Estados Unidos com a meta de estagiar em uma startup. Encontrou a Bombfell, que tem como objetivo desenvolver roupas sob medida para homens, entregando as peças pelo correio. “Durante o ano que passei lá, o número de usuários triplicou”.
Para participar do processo, a equipe da Freta.lá precisou preencher um formulário extenso sobre a empresa, formulários individuais para cada um dos três fundadores – onde se incluem também Bruno de Melo, aluno da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC), e Thiago Paes – além de um vídeo. Durante a seleção, o critério que tem maior peso é a equipe (60%). O projeto (40%) fica em segundo plano.
Desde janeiro, os três sócios do Freta.lá estão em Belo Horizonte e por lá permanecem até julho, participando de reuniões semanais com os agentes do SEED. Cada agente cuida de 10 startups e acompanha o progresso de cada uma, que poderá receber de R$ 78 mil a R$ 80 mil para investir em seu projeto (dependendo do número de fundadores). “Talvez mais importante que o dinheiro seja o networking. Você conhece muita gente interessante, do mundo inteiro. São contatos que vão nos ajudar bastante em nossas carreiras, independentemente de prosseguirmos no caminho do empreendedorismo ou não”, conta Lobosque.
Para Lucas, desafio é transformar idéias em produtos |
Ao voltar dos Estados Unidos, o aluno do ICMC foi convidado pelos amigos para participar da Freta.lá. “Parece que o difícil é ter uma ideia, mas ter uma ideia é o mais fácil. O difícil é transformar essa ideia em um produto”, ensina Lobosque. Para todos aqueles que querem seguir o caminho do empreendedorismo, ele diz: “se você tem uma ideia e acha que é legal, precisa refiná-la, falar com outras pessoas e fazer acontecer, mesmo que não existam recursos. Não adianta ficar esperando aparecer algo. Você precisa arrumar alguém que acredite em sua ideia”. Eu acredito – Everton Cherman é o melhor exemplo de que vale a pena correr trás das pessoas para convencê- las a acreditarem em sua ideia. Ele defendeu o doutorado no ICMC em janeiro deste ano e, logo em seguida, seu projeto – chamado Onion: cardápio inteligente de bolso – foi um dos selecionados pelo Programa FAPESP Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE). O programa existe desde 1997 e destina-se a apoiar o desenvolvimento de pesquisas inovadoras sobre importantes problemas em ciência e tecnologia que tenham alto potencial de retorno comercial ou social, a serem executadas em pequenas empresas sediadas no Estado de São Paulo.
“Inicialmente, são nove meses de apoio para que possamos desenvolver um protótipo e mostrar que ele é tecnicamente viável e tem indícios de ser comercialmente viável também”, explica Cherman. Nesse período, a Onion terá à disposição recursos da ordem de R$ 100 mil para disponibilizar bolsas aos pesquisadores envolvidos no projeto e para a compra de equipamentos. A intenção de Cherman é, após essa gestação de nove meses, alcançar aprovação para a segunda fase do programa, em que podem ser obtidos recursos de até R$ 1 milhão, destinados ao desenvolvimento comercial do produto e à realização de aperfeiçoamentos técnicos.
Diferentemente de Lobosque, o sonho de ser empresário permeia toda a trajetória de Cherman, que cresceu acompanhando a rotina empreendedora de pais e tios: “Quando estava cursando Ciências de Computação na Universidade do Oeste do Paraná, em Foz do Iguaçu, comecei a fazer iniciação científica e me apaixonei pela pesquisa. Foi aí que vislumbrei a possibilidade de unir essa nova paixão com a mais antiga, que era criar uma empresa”.
Para que seu projeto fosse selecionado pela FAPESP, Cherman convenceu dois parceiros relevantes a apostarem na Onion: o grupo Meira, que administra quatro casas noturnas na cidade de São Carlos (Vila Brasil, Qué Va, Beatniks Road Bar e Seo Gera); e o ParqTec, uma entidade privada e sem fins lucrativos que agrega três incubadoras de empresas em São Carlos – o Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (CINET), a primeira incubadora instalada na América Latina; o Centro Incubador de Empresas de Software (SOFTNET) e a Design Inn. “Conversei com o grupo Meira e pedi uma carta de apoio. Se eu fosse aprovado pela FAPESP, eles se comprometeriam a disponibilizar o ambiente deles para eu testar meu projeto. Usei a mesma estratégia no ParqTec. Se eu fosse aprovado, eles me colocavam aqui”, revela Cherman. Deu certo. O berço ideal – Atualmente, há 30 startups incubadas no ParqTec que recebem apoio por meio da disponibilização de infraestrutura e treinamentos voltados a desenvolver a habilidade dos empreendedores no gerenciamento dos negócios, oferecidos principalmente por meio de parcerias com o Sebrae. “Só queremos aqui quem deseja ficar rico a partir do conhecimento. E temos o compromisso de criar um novo empresário, que vá devolver à sociedade todas essas oportunidades que ele está obtendo. Para isso, primeiro ele precisa ter sucesso”, afirma o diretor presidente do ParqTec, Sylvio Goulart Rosa Júnior.
Everton e Sylvio: Onion conseguiu apoio também do ParqTec |
Mas Goulart já enxerga mudanças nas universidades por causa da criação das agências de inovação (veja, na página 3, entrevista com o coordenador da Agência USP de Inovação, Vanderlei Bagnato). Porém, na opinião dele, é preciso mais estímulo: a saída é espalhar cursos de empreendedorismo por todos os departamentos das universidades, treinando e capacitando os alunos para a elaboração de planos de negócios, para a gestão de projetos, “fertilizando todo mundo” para a geração local do conhecimento e da inovação.
“Precisamos levar alunos como o Everton para dar palestras aos calouros, mostrando que é possível criar uma empresa, que há apoio e sustentação”, defende. “A nossa ideia é que São Carlos seja um modelo e um laboratório de como vai ser o Brasil no século XXI. A região é o melhor tipo de investimento, porque é muito fácil recrutar gente altamente qualificada aqui: há pessoas empreendedoras que querem se qualificar para gerar conhecimento, é onde estão os alunos de graduação mais disputados, os programas de pós-graduação nota máxima da CAPES e os professores”, argumenta o diretor presidente do ParqTec.
Tundisi acredita que eixo de desenvolvimento da cidade está mudando |
O secretário revela, ainda, que tem notado uma transformação marcante no município: “São Carlos está começando a mudar fundamentalmente o eixo de desenvolvimento tecnológico. Ela está passando de uma cidade com empresas voltadas à construção de hardware para um município que atrai empresas de desenvolvimento de software, contexto no qual as startups estão inseridas”. O secretário acredita que, se esse novo mercado de startups se consolidar em São Carlos, não há dúvidas de que será um fator de atração para a chegada de outras empresas à cidade. Serão elas capazes de criar aqui um novo Vale do Silício? Para essa pergunta, nenhuma startup ainda encontrou a resposta.
“Queremos que uma fração de nossos estudantes esteja disposta a ser geradora de riqueza”
Como coordenador da Agência USP de Inovação, Vanderlei Bagnato acredita que a inovação é um dos caminhos para que a Universidade – tradicionalmente uma grande consumidora de recursos – passe a contribuir para a geração de riqueza. Na opinião do professor, incentivar os alunos a criarem suas próprias empresas é uma das formas de se fazer isso. Na entrevista a seguir, ele explica como a Agência USP de Inovação tem atuado em prol das empresas nascentes, reconhecendo que a Universidade ainda é omissa e morosa no que diz respeito a essas iniciativas.
Recém-eleito como membro da prestigiada Academia Americana de Ciências (National Academy of Science, NAS), Bagnato também coordena o Centro de Pesquisas em Óptica e Fotônica (Cepof), sediado no Instituto de Física de São Carlos, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiados pela FAPESP. Ele é o segundo brasileiro a ter alcançado a façanha de fazer parte da NAS, nesse caso, especificamente devido aos relevantes trabalhos desenvolvidos na área de átomos frios, pesquisa em ciências da vida e programas de difusão de ciências.
Como a Universidade pode contribuir de forma mais efetiva para a inovação e o desenvolvimento do setor produtivo brasileiro?
Para que a inovação aconteça, é preciso alguns ingredientes. Normalmente, ela começa com uma ideia que precisa ser provada. A seguir, tem que se demonstrar que aquela ideia é capaz de ser utilizada. é o que chamamos de protótipo. Depois, é hora de mostrar que a ideia pode ser transformada em um produto e, por último, é preciso provar que ela pode chegar ao mercado. Essa é a escala da inovação, já que sem produto, sem algo que atinja o mercado, a inovação é manca. Por isso, toda inovação pressupõe a existência de algo que vá contribuir com a economia utilizando conhecimento, novas técnicasou conceitos. O problema é que não é toda a ideia que chega ao final desse processo. Então, é necessário um ambiente exploratório, onde milhares e até milhões de ideias sejam introduzidas e, certamente, vai sobreviver aquela que tem todas as características e potencialidades de ser um sucesso no mercado. E quem é capaz de ter esse volume de ideias? Ora, a universidade. Portanto, ela tem um papel importante em todo o ciclo de inovação porque é onde se exploram muitas ideias e há uma grande chance de se alcançarem novas aplicações, novos conceitos, e de chegarmos às chamadas inovações tecnológicas. Nós, aqui na Universidade, somos grandes consumidores de recursos públicos. A inovação é uma dessas oportunidades de colocarmos um “pezinho” do lado de quem produz, de quem contribui para criar recursos que nós mesmos vamos consumir.
Qual o papel da Agência USP de Inovação nesse contexto? Que tipo de atividades são realizadas para que se promova a inovação?
É extremamente importante que a Universidade organize a rotina de uso do conhecimento para transformá-lo em inovação. O que temos tentado fazer na Agência USP de Inovação é criar o hábito rotineiro de aproveitar as ideias e explorar aquelas que têm potencial de se transformar em inovação, ajudando a economia do país. O princípio básico é criar formas de deixar a nossa Universidade num estado tal que sempre iremos aproveitar as boas ideias que sirvam para o avanço tecnológico, criando mecanismos que permitam transferir esse conhecimento para que ele chegue, de fato, ao setor produtivo. E contribua com a economia, com produtos e com a nação, ou mesmo com a solução de problemas da nossa sociedade. Desenvolvemos um leque muito grande de atividades, há em torno de 50 iniciativas: palestras, olimpíadas de inovação, cursos de empreendedorismo para estudantes, apoio à propriedade intelectual dos docentes e pesquisadores, empresa júnior de inovação, atração de empresas para utilizar a nossa Universidade.
Podemos afirmar, então, que existe um grande interesse da Agência USP de Inovação em estimular os alunos a criarem suas próprias empresas?
Nós queremos que uma fração dos nossos estudantes esteja disposta a ser geradora de riqueza, não procuradores de emprego. Então, uma das maneiras de fazer isso é através da formação de empresas. Temos ajudado os alunos que estão dispostos a formar seus próprios negócios indicando como elaborar um projeto para dar início às atividades, licenciando a propriedade intelectual a custo quase zero e também oferecendo uma formação básica, ensinando como se deve conduzir uma empresa nascente. Por isso, disponibilizamos cursos optativos de empreendedorismo e inovação tecnológica num ambiente acadêmico.
A Agência possibilita que se registre uma patente por um preço simbólico?
Sim. Mas o importante não é só tirar a patente. É fundamental que essa patente tenha um valor no mercado. Senão, ela é um prejuízo, não um benefício. O problema é que a clientela brasileira para tecnologia ainda é muito incipiente. Então, estão usando como indicadores de progresso o número de patentes concedidas. Esse é um tipo de indicativo manco, porque não interessa o número de patentes que eu tenho na minha gaveta, mas quantas viraram riqueza. Ou seja, o que tem relevância é o número de patentes que se transformaram em produtos.
Na sua opinião, o que falta à Universidade para termos um ambiente mais favorável à inovação e à criação de novas empresas?
Em primeiro lugar, a inovação tecnológica não substitui a ciência básica. A inovação é complementar, acontece além da relevância científica. Se você não tiver os pilares que sustentam a inovação, ela não acontece. Tanto é que as grandes instituições inovadoras do mundo são também grandes instituições de pesquisa: Cambridge, MIT, Harvard, Oxford. Só agora o Brasil começou a atingir um estado de produção científica em que é possível pensar na inovação de uma forma mais séria. Não existe milagre, épreciso tempo e continuidade no processo de investimento em ciência e tecnologia. Sem infraestrutura e pessoas qualificadas, ninguém desenvolve tecnologia. É muito comum as universidades conversarem só entre elas sobre inovação, mas têm que conversar com o mundo exterior.
Como podemos estimular mais a inovação?
Não é estimular. É dar relevância à ciência que se faz. Na sociedade, há cada vez menos espaço para quem faz ciência que não gera nenhum avanço do conhecimento, da cultura, do patrimônio científico da nação e não contribui com o setor produtivo. Em nenhum sistema é possível termos professores em tempo integral que só dão aula, sem orientar alunos e realizar projetos de pesquisa. Não podemos acomodar uma massa que se diz intelectual e não contribui para o avanço do conhecimento, para a preservação do conhecimento nem para a inovação. Um pouco da falta de fôlego em inovação tecnológica das unidades da USP vem do fato dos dirigentes gastarem todo seu tempo administrando. Você toma cinco vezes a mesma decisão em diversas instâncias, em vez de tomá- -la somente uma vez. Essa visão tem que mudar. Toda a Universidade de São Paulo deve passar por um choque de gestão para que possa acordar. Porque senão ela vai falir. Aliás, já está dando os primeiros sinais.
Em relação especificamente aos estudantes de graduação e pós-graduação, há algo que pode ser feito com eles para estimular o empreendedorismo?
Sim, pois a Universidade ainda é omissa e morosa no que diz respeito a essas iniciativas empreendedoras. Existe um provérbio muito válido que diz assim: de nada vale a pregação sem o exemplo do pregador. Enquanto os professores da USP não praticarem inovação, como irão transmitir isso aos alunos? Toda a ideia da pesquisa na Universidade está calcada no princípio de que devemos ter experiência para ensinar. Como você pode dar uma aula sobre empreendedorismo sem nunca ter entrado em uma empresa, nunca ter vivido nesse ambiente? Estou cheio de ver teóricos da inovação. A que isso leva? Ao fracasso. Só que a própria constituição do Estado, do funcionarismo público, enxerga determinadas iniciativas como proibitivas. Por exemplo, um docente não pode participar de uma empresa com a qual ele colabore. O problema todo é que a falta de regra e a falta de honestidade fazem com que tudo seja duvidoso. No exterior não é assim. Afinal, não é dessa forma que o mundo movimenta as suas engrenagens na inovação tecnológica. O pessoal tem que entender que é muito pior o funcionário público que consome recursos públicos sem dar nada em troca do que o funcionário público que, além de consumir, contribui para a sociedade. O cientista brasileiro ainda se acha desobrigado com essa sociedade. Isso é notável na estrutura das universidades públicas brasileiras.
De onde vem esse ranço que existe entre a Universidade e os setores produtivos, essa concepção de que esses dois lados não podem se misturar?
Vem do colonialismo e do fato de que o cientista acha a sua ciência superior a qualquer necessidade da sociedade. Todas as universidades latinas são assim. É diferente se você analisa as instituições norte-americanas, europeias e alemãs. Por exemplo: o ganhador do Prêmio Nobel de Física em 2005, Theodor Hänsch, foi também o ganhador do prêmio alemão de inovação tecnológica. Ele ajudou uma empresa. E isso é um orgulho para a Alemanha. Aqui seria uma perversão. Eu não estou querendo ser agressivo com a Universidade. É que se você não identifica o seu problema, você não muda o seu status. Há um outro provérbio que diz: a loucura consiste em fazer a mesma coisa e achar que os resultados serão diferentes. Apesar disso, acho que a USP é a melhor Universidade da América Latina, e, certamente, uma das maiores e melhores do Hemisfério Sul. É uma referência e tem que realmente se preocupar em estabelecer os novos referenciais de pesquisa, de conduta, de contribuição para a sociedade. E a inovação passa por tudo isso.
Há algum diferencial em São Carlos quando tratarmos dessa temática do empreendedorismo e da inovação?
São Carlos é uma cidade que antecedeu as iniciativas de inovação tecnológica no ambiente acadêmico. Há 30 anos, no campus da USP em São Carlos já se formavam empresas, principalmente dentro do Instituto de Física, onde nasceu a primeira fundação de apoio à tecnologia, o ParqTec. Isso aconteceu muito antes do governo e das agências de fomento começarem, institucionalmente, a se preocupar com a inovação. Como a cidade foi pioneira nessa questão, aprendeu, por experiência própria, que algumas coisas funcionam bem e outras não. Hoje, o parque de óptica de São Carlos é o maior do Hemisfério Sul, agrega cerca de 50 empresas da área. A grande mudança que noto é que, agora, a informação está muito acessível e tem permitido que as pessoas contemplem horizontes que antes não eram possíveis.
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