Professores, alunos e pais relatam que participar da Olimpíada Brasileira de Robótica pode contribuir para tornar as aulas mais atraentes e participativas, favorecendo o desenvolvimento da autonomia dos estudantes e o processo de ensino e de aprendizado
Para participar da competição, é fundamental o trabalho em equipe e a colaboração |
A medalha de bronze se destaca no peito de quatro estudantes que comemoram a conquista alcançada na Olimpíada Brasileira de Robótica (OBR). É início da noite de sábado, 10 de junho, e a alegria de Eduardo Fernandes, Guilherme da Luz, Matheus Barbirato e Richard Fowler invade o palco do salão de eventos da USP, em São Carlos. Alunos do sétimo ano da escola estadual Coronel Franco, de Pirassununga, esses estudantes só estão aqui hoje por causa de uma história que começou três anos atrás.
Naquele tempo, a robótica não tinha invadido a escola. Mas a coordenadora pedagógica Kátia Schimidt enxergou que participar da OBR era uma oportunidade imperdível: conseguiu um kit emprestado com a professora Roseli Romero, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos. Era 2014 e a escola conseguiu, pela primeira vez, participar da competição. Kátia se lembra das lágrimas invadindo o rosto no momento em que assistiu aos estudantes da Coronel Franco conquistando medalhas de prata e de bronze.
De lá para cá, muita coisa mudou. Em 2015, a robótica tomou conta da escola de vez. Com a obtenção de 57 kits, por meio de doações, as aulas de “Tecnologia e Sociedade”, ministradas pela professora Flávia de Oliveira, alcançaram 300 crianças. O trabalho começa no sexto ano, quando os alunos têm aulas de programação com jogos. No ano seguinte, começam a montar os próprios robôs e a programá-los. “O projeto transformou a escola. Professores de diferentes áreas do conhecimento aprenderam a fazer robôs. Muitos deles enfrentaram dificuldades e, a partir dessa experiência, passaram a enxergar os alunos de outra forma”, explica Kátia. “Geralmente, o aluno que é indisciplinado tem, na verdade, dificuldade de aprendizagem. Quando ele é estimulado a desenvolver suas habilidades e competências, tal como nos projetos de robótica, acaba se engajando no aprendizado e a indisciplina diminui”, completa a coordenadora pedagógica.
Kátia ressalta também que, ao estimular os alunos a colocarem a mão na massa e buscarem novos conhecimentos para superarem os desafios que surgem ao montar e programar os robôs, existe um ganho adicional: o protagonismo dos estudantes passa a ser valorizado. “Aconteceu uma mudança pedagógica. Hoje, muitos estudantes me procuram para apresentar seus projetos e ver como podem colocá-los em prática dentro da escola”, conta a coordenadora. Os resultados impactaram o Índice de Desenvolvimento da Educação de São Paulo (Idesp), um dos principais parâmetros para avaliar a qualidade do ensino na rede estadual paulista. Criado em 2007, o índice estabelece metas que as escolas devem alcançar ano a ano. Desde que a robótica invadiu a Coronel Franco, essas metas são superadas.
“Meu interesse pela robótica nasceu depois que eu comecei a ver o pessoal montando os robôs. Eu sempre gostei de montar e desmontar coisas e quis participar”, diz Eduardo Fernandes. “Tem que ter calma com o robô. Ele vai obedecer o que você mandou ele fazer. Então, precisa programar à risca”, ensina o estudante. Antes de saber que conquistaria uma medalha de bronze, ele confirmou que voltará à OBR: “Gostei muito de participar. Eu não sabia que era tão tenso colocar o robô na pista”.
Eduardo Fernandes (à esquerda) com sua equipe da escola estadual Coronel Franco, de Pirassununga |
A robótica surpreende – No primeiro andar do salão de eventos da USP, em São Carlos, a mãe de Luiz Henrique da Silva acompanha atenta o desempenho do filho, que tem 15 anos. Lá embaixo, Luiz e sua colega de equipe estão sentados na mesa fazendo ajustes no robô. “Ele ficou muito nervoso porque não deu nada certo na primeira rodada da competição”, conta Lucimara Ferrante da Silva.
Toda a família veio acompanhar a estreia de Luiz na OBR: a mãe, o pai e os irmãos Mateus da Silva, de 10 anos, e Gisele da Silva, de 5 anos. “Foi a primeira vez que eu não precisei cobrar o Luiz para estudar. Ele me surpreendeu muito”, revela Lucimara. Ela conta que o filho sempre gostou de robôs, de brincar com Lego e que fez até uma pasta com o material de estudo.
O pequeno Mateus quer seguir o exemplo do irmão mais velho. Acompanhou Luiz durante algumas fases da montagem do robô e aprendeu a mexer com os fios e soldá-los. No futuro, ele tem certeza de onde quer estar: competindo na OBR.
Lucimara com os dois filhos menores: Matheus e Gisele |
O técnico da equipe, Emerson Gajardoni, analista de suporte em informática na unidade 108 do Centro Educacional SESI, em São Carlos, diz que Luiz é muito curioso e que os estudantes da equipe ficaram encantados quando conseguiram fazer o robô acender as luzes: “Eu também aprendi muito. Nunca tinha trabalhado com equipamentos eletrônicos e tive que comprar livros e analisar os componentes para ver quais se encaixavam melhor”.
O estudante Renan Sachetto – da escola Sesi Joelmir Beting, em Tambaú – descreve, com maestria, o encanto de assistir ao funcionando, pela primeira vez, do robô que colocou no mundo: “É como ver seu filho andando de bicicleta pela primeira vez. É uma alegria e uma felicidade que não dá para descrever”. A professora Roseli Romero, coordenadora da etapa regional da OBR em São Carlos, compreende bem como é essa emoção: “Quando o robô começa a se movimentar, a gente fica com medo, com as mãos prontas no ar para socorrê-lo, como a gente faz com o filho que dá as primeiras pedaladas”.
Luiz e sua colega de equipe fazendo ajustes no robô para enfrentar a segunda rodada da OBR |
A robótica mobiliza – Um robô que tem até certidão de nascimento. Assim é Asimov, que conquistou a medalha de ouro para a equipe de seus criadores. “Ele surgiu de um desenho que fizemos no caderno durante uma aula chata”, explica Felipe Visioli, de 16 anos, que está no segundo ano do ensino médio na unidade 407 do Centro Educacional SESI, em São Carlos. Ele e sua colega de sala, Audreih dos Santos, ficaram tão felizes com aquele esboço que logo quiseram construir um protótipo.
Primeiro, fizeram uma versão com Lego, depois montaram em papelão, a seguir, construíram a primeira versão em MDF, contratando o serviço de uma empresa que faz impressão a laser em São Carlos. A cada etapa do processo, foram remodelando o projeto inicial, aprimorando o design de Asimov. Na última e derradeira fase, ficaram dois dias trabalhando no Fab Lab do Sesi, um espaço em que a instituição disponibiliza vários equipamentos de última geração aos estudantes, em São Paulo. Lá, eles usaram a impressora a laser para cortar as peças em MDF da versão final do robô. “Precisamos elaborar o projeto dele em 3D e usar ferramentas que não conhecíamos como os softwares AutoCAD e Fusion 360”, revela Felipe.
O esforço valeu a pena. Com a colaboração de Luiz Rodrigo Neto, que ficou responsável por programar o robô, a equipe conquistou o primeiro lugar no nível II da OBR durante a etapa regional e, junto com mais 120 times, vai disputar a etapa estadual da competição, em São Bernardo do Campo, dia 9 de setembro.
Mostrando a apostila em que registraram todo o processo de criação de Asimov, uma verdadeira certidão de nascimento, os estudantes explicam que o nome do robô é uma homenagem a Isaac Asimov, um escritor russo de ficção científica e de obras científicas, que se tornou famoso com livros como "Eu, Robô". Ele criou as famosas Três Leis da Robótica, princípios para permitir o controle e limitar o comportamento dos robôs.
Asimov nasceu de um desenho, feito em julho de 2016 em uma folha de caderno |
A robótica transforma – Entrevistas realizadas com professores e participantes da OBR demonstram que a competição contribui para que os estudantes se tornem mais persistentes, criativos, educados e colaborativos. Os resultados dessas entrevistas estão no artigo Brazilian Robotics Olympiad: A successful paradigm for science and technology dissemination, publicado no ano passado no International Journal of Advanced Robotic Systems.
Para obter os resultados do estudo, os pesquisadores encaminharam questionários a estudantes e professores que já participaram da OBR. Segundo os 389 professores que responderam o questionário, 72% dos alunos que participam da modalidade prática ampliam suas habilidades de cooperação e trabalho em equipe; 68% demonstram mais interesse e motivação; e 62% tornam-se mais dedicados.
Já 68% dos 536 estudantes que responderam o questionário afirmam que a OBR ajudou a escolher o curso de graduação. Daqueles que já estavam matriculados em um curso universitário, 99% estão nas áreas de ciências, tecnologia e engenharia. "Um dos objetivos da Olimpíada é, justamente, incentivar os alunos a escolher uma dessas áreas", afirma Rafael Aroca, professor do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), um dos autores do artigo e coordenador nacional da OBR.
“Em vez de ficarmos forçando as crianças a aprenderem matemática, física, química, português e outras matérias, sem uma aplicação prática, nós invertemos o processo”, explica o professor Flávio Tonidandel, do Centro Universitário FEI. “O método de ensino que usamos na robótica é assim: primeiro vem a aplicação prática. Os estudantes vão aprender matemática, física, química, português e as outras matérias para resolver os desafios que aparecerão nessa aplicação”, completa.
De acordo com ele, o sucesso dessa nova abordagem pedagógica, que não se restringe à robótica, tem contribuído efetivamente para que o número de participantes da OBR cresça ano a ano. Em 2012, a OBR contabilizou 300 equipes inscritas na competição em todo o Brasil. Em 2013, esse número subiu para 800. Em 2014, foram 1,9 mil equipes e, em 2015, chegou-se a 2,5 mil. No ano passado, 2,9 mil equipes se inscreveram e, este ano, houve 3.375 inscrições.
A coordenadora Kátia não tem dúvida de que essa nova abordagem pedagógica tem alto poder transformador. “Se investíssemos mais na robótica nas escolas, mudaríamos todo o ensino no país. Para isso, é necessário mais boa vontade do que recursos financeiros”, finaliza.
Número de participantes na OBR aumenta a cada ano |
Confira, abaixo, a relação das equipes que ganharam medalhas na primeira etapa regional da OBR 2017, realizada em São Carlos no último final de semana, dias 10 e 11 de junho:
Sábado, 10 de junho - Nível 1 (ensino fundamental)
Medalha de ouro: equipe BRH – Brasil Robotic House, de Franca.
Medalha de prata: The Master Chester Samaritano, de Franca.
Medalha de bronze: Team Bionic, de Pirassununga.
Sábado, 10 de junho - Nível 2 (ensino médio e técnico)
Medalha de ouro: equipe SESI Asimov, de São Carlos.
Medalha de prata: equipe SESI T-Rex, de Monte Alto.
Medalha de bronze: Sesi Robrótica, de Brotas.
Domingo, 11 de junho - Nível 1 (ensino fundamental)
Medalha de ouro: SOR1, de São Carlos.
Medalha de prata: Tigers Team Three, de Novo Horizonte.
Medalha de bronze: Thunders of the Universe – Yadaa, de São Carlos.
Domingo, 11 de junho - Nível 2 (ensino médio e técnico)
Medalha de ouro: Tigers Team One, de Novo Horizonte.
Medalha de prata: Irenaus Sie wissen nicht einmal mich – Yadaa, de São Carlos.
Medalha de bronze: IFSP O Demolidor, de São Carlos.
Com os desafios, estudantes são estimulados a se tornarem protagonistas no processo de ensino e de aprendizado |
Texto e fotos: Denise Casatti - Assessoria de Comunicação ICMC/USP
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